terça-feira, 1 de outubro de 2013

Pintura 3D Com o artista Julian Beever

Terror: da Somália para o Quênia

Pio Penna Filho*

Um dos principais grupos armados da prolongada guerra civil da Somália promoveu uma espetacular e mortífera ação em Nairóbi, capital do Quênia. Até agora os registros indicam 72 pessoas mortas, entre militares, terroristas e civis, sendo que a grande maioria dos mortos são civis que estavam no local do atentado, um sofisticado shopping center da cidade.
O grupo que assumiu o atentado chama-se “Al-Shabab” e entrou em operação em 2006, quando as chamadas “Cortes Islâmicas da Somália” promoveram um arremedo de governo no país. Aliás, é de se notar que a Somália é um típico caso de estado falido, sem governo efetivo e com a população vivendo à mercê de grupos armados que controlam partes do país, o que provoca uma enorme insegurança coletiva e dá margens ao surgimento e proliferação de grupos radicais que tentam se impor por meio da violência.
O Quênia entra nessa história a partir do momento em que suas Forças Armadas começaram a combater as milícias do Al-Shabab em território somali. Na verdade, o Quênia foi envolvido na questão somali por uma série de fatores, dentre eles pelo fato de possuir uma extensa fronteira com a Somália e, por isso, sofrer diretamente as consequências da guerra civil do vizinho, seja pelo fluxo de refugiados, seja pela ação dos grupos armados islâmicos em seu território.
Há que se destacar também que além dos aspectos regionais o Quênia foi, de certa forma, induzido pelos Estados Unidos em sua cruzada contra o chamado “terrorismo internacional” a participar do conflito na Somália, justamente como ocorreu com a Etiópia, outro país vizinho da Somália que também sofria e sofre as consequências de fazer fronteira com um estado falido.
Nos últimos anos tropas etíopes e quenianas participaram diretamente de operações militares na Somália, principalmente para combater as milícias da Al-Shabab. Esse é um dos motivos do atentado no Quênia. Ocorre que agora a situação tende a piorar, haja vista que provavelmente o governo do Quênia e as demais forças presentes na Somália, irão ampliar a repressão especialmente contra a Al-Shabab, que por sinal está oficialmente vinculada à rede Al-Qaeda.
A Al-Shabab não é um grupo fácil de combater. Eliminá-la, então, pelo menos num cenário de curto ou médio prazo, soa como um devaneio. O grupo está sofrendo uma enorme pressão na Somália por parte de tropas estrangeiras e o atentado no Quênia é uma forma de dizer ao mundo e aos somalis que sua capacidade operacional continua de pé.
O grande problema são os métodos adotados pelo grupo. O terror predomina e os mais afetados são os civis. Os somalis já vem sofrendo o infortúnio de ter que lidar com a sua presença em diversas partes do país e agora o público externo se vê também vulnerável às suas ações.
Infelizmente a resolução desse conflito não será pacífica. Embora a negociação passe por entendimentos políticos, esse grupo só aceitará negociar quando já estiver em frangalhos, ou seja, quando não houver mais como continuar a luta armada por meio do terrorismo.






* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

SURREAL E SUBLIMINAR

A IMPORTANTE VERTENTE DO TURISMO CULTURAL

·         Luíza Ribeiro[1]
O turismo cultural, Segundo Lohmann (2012), abrange 4 grandes vertentes, a social, cultural, econômica e ambiental. Sendo o turismo cultural, uma das principais vertentes. Mato Grosso, estado que guarda fortes tradições forjadas pelas influências europeia, negra e indígena, vê na cultura um imenso universo a ser explorado.
Uma via de mão dupla, onde o turismo ganha com a cultura regional e a cultura regional se revigora com a ampliação do turismo nesta área.
Nas diversas definições do turismo a ressalvas à importância da vertente para a composição dessas atividades humana, que se encontra em crescimento significativo. Em cada ato de interação entre povos e seus costumes, estará lá o turismo cultural como um mediador de suas expressões e tradições.  
Com tudo, além dos aspectos positivos, é preciso pontuar as deficiências das atividades turísticas nessa área: Pouca compreensão dos profissionais envolvidos sobre o seu verdadeiro potencial e sobre as técnicas adequadas para esse segmento, desconhecimento por parte dos “fazedores” da cultura sobre o alcance turístico da atividade e falta de planejamento para organizar essa importante vertente do turismo, são sem duvidas os principais problemas desse setor.
            Por fim, a esperança positiva para o setor reside no fato de Mato Grosso, e sua capital Cuiabá, ter assumido papel de destaque ao sediar a Copa do Mundo de Futebol 2014. Podendo com certeza, contribuir para a difusão do turismo cultural.
Os turismólogos, no entanto, passam a ter importante papel nesse momento, em que o turismo cultural se estabelece como importante ferramenta para divulgação de nossas expressões artísticas e culturais.



·         [1] Aluna do 6º semestre de Turismo na Anhanguera Educacional de Cuiabá (2013).

Os Estados Unidos e a Política Mundial

Pio Penna Filho*

O governo do presidente Obama, prêmio Nobel da “Paz”, está com todo o seu poderoso dispositivo militar pronto para atacar a Síria. Ao mesmo tempo, esse mesmo governo ampliou de forma espetacular os tentáculos de sua espionagem em escala global, bisbilhotando a tudo e a todos, como vem sendo mostrado pela divulgação de sua própria documentação. Abaixo, algumas conclusões sobre a atuação dos Estados Unidos na política mundial à luz da sua prática.
Os Estados Unidos agem como se fossem um Império. A política externa norte-americana é agressiva com amigos e inimigos. A vontade imperial de Washington se estende para todo o globo e sua visão predominante é a de que o mundo deve se dobrar aos desígnios da grande potência do norte, não havendo força ou ideal superior à dos Estados Unidos em qualquer canto do mundo. Ademais, o Império está pronto para intervir em quase qualquer situação, em qualquer lugar, por isso sua excepcional força militar, notadamente de projeção de poder. 
Os Estados Unidos agem desprezando as normas internacionais. As normas internacionais valem muito pouco para limitar o poder de Washington. Se a estrutura de poder internacional erigida em torno do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que legitima políticas de intervenção, não atender aos anseios dos Estados Unidos, isso não é problema. A intervenção poderá acontecer sem aprovação do Conselho, haja vista que os interesses americanos estão acima da “lei”, o que aliás reforça a ideia imperial.
Os Estados Unidos agem como se quase todos fossem seus inimigos. O que vale para os Estados Unidos são os seus interesses. Washington leva ao pé da letra a máxima de que, em termos de política externa, o que vale são os interesses. Dessa forma, quem é “amigo” hoje pode não ser amanhã; ou quem foi amigo ontem pode não ser hoje. Assim, a espionagem americana não tem limites, embora receba a colaboração de alguns poucos países hoje considerados amigos, embora amigos subalternos.
Os Estados Unidos agem de acordo com a força e apenas entendem a linguagem da força. A única imunidade com relação à política imperial dos Estados Unidos reside em ter força suficiente para uma retaliação militar que cause impacto na sociedade norte-americana. Meios limitados, como o dos afegãos que resistem há tempos à ocupação de tropas dos Estados Unidos e da OTAN não são suficientes. Assim, apenas os países que possuem arsenal nuclear estratégico, com capacidade real para atingir o território norte-americano, estão fora do radar intervencionista do império.
O que estamos assistindo ultimamente é que se esboça uma reação difusa, em escala global, à essa política imperial, eivada de contradições, sobretudo por serem os norte-americanos os grandes defensores da democracia e da liberdade.
Não existem muitas ilusões de que essa reação difusa seja capaz de mudar os rumos da política externa norte-americana. O problema é que estamos chegando a um ponto em que muitos países e lideranças estão constatando o óbvio, ou seja, que a linguagem da força e do poder prevalece sobre o diálogo. Não é à toa que quem está se contrapondo de forma mais intensa aos Estados Unidos seja justamente a Rússia.






* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

sábado, 21 de setembro de 2013

REPRESENTAÇÕES DA MEMÓRIA E CONSTRUÇÃO SOCIAL

TEMAS CONTEMPORÂNEOS - AULA - 2013

BREVE HISTÓRIA DO BREVE SÉCULO XX (Início até a 2ª Guerra)

Temas Contemporâneos 01

IMPACTOS DA GUERRA FRIA

domingo, 8 de setembro de 2013

A Guerra da Síria

Pio Penna Filho*

Vem aí a Guerra da Síria. A guerra civil está prestes a se tornar uma guerra com envolvimento direto de outros países, especialmente Estados Unidos e França, que são os que se mostram mais decididos a iniciarem bombardeios contra alvos sírios. Não há como prever, a partir do início dos ataques, quanto tempo levará para que uma coalizão maior se forme e, eventualmente, parta para uma escalada militar contra o governo de Bashar al-Assad.
O argumento utilizado pelos que desejam bombardear a Síria é que o governo teria realizado ataques com armas químicas e, portanto, deveria ser devidamente punido. De fato, todas as evidências indicam que armas químicas foram usadas na Síria, porém, não há como saber, pelo menos por enquanto e com certeza absoluta, quem foi o responsável pelo ataque, se o governo ou se os rebeldes.
Os Estados Unidos e parte dos seus aliados europeus estão convictos de que foi o governo. Naturalmente, tendo em vista a desproporção entre os recursos à disposição do governo sírio e os rebeldes, tudo indica que tenha sido mesmo o governo a usar esse tipo de armamento contra a sua própria população, e não apenas uma única vez.
O problema é que a credibilidade dos Estados Unidos não é das melhores. Basta lembrar, por exemplo, o falso argumento usado para defenestrar do poder Saddam Hussein (que o Iraque teria armas de destruição em massa e era, portanto, uma ameaça para o mundo).
Enquanto isso, as Nações Unidas despacharam para a Síria uma missão com o objetivo de averiguar in loco a situação. O problema é que essa missão não reuniu todas as condições necessárias para um veredito final sobre a questão. É bem provável que o resultado oficial seja que, de fato, houve a utilização de armas químicas na guerra, mas sem precisar quem as teria usado.
A resistência contra a anunciada intervenção militar norte-americana é grande. Rússia e China, que possuem poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, já disseram que são contra o ataque à Síria. Representantes dos dois países afirmaram que irão vetar qualquer proposta de Resolução no Conselho de Segurança que autorize ataques à Síria.
O uso de armas químicas é um crime, sem dúvida. O uso desse tipo de armamento é condenado pela maioria dos países, sendo que poucos não assinaram a Convenção de Paris de 1993 que proibiu a preparação, fabricação, armazenamento e utilização dessas armas.
Foi a Primeira Guerra Mundial que chamou mais a atenção do mundo para os efeitos perversos das armas químicas. Utilizadas inicialmente pela Alemanha em 1915, logo outros beligerantes daquela guerra começaram também a produzir e usar armas químicas. Mas a impressão negativa foi tamanha, tanto entre os combatentes como entre a população civil, que as grandes potências não a utilizaram mais umas contra as outras na Segunda Guerra Mundial.
Uma intervenção militar norte-americana limitada fará pouca diferença para os rumos da guerra na Síria. Como o governo Obama está recalcitrante mesmo quanto a um ataque limitado, tudo indica que a situação só tende a se agravar para a população síria, já por demais penalizada pela brutalidade de uma guerra que já ultrapassou todos os limites.

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* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Os Estados Unidos e o Golpe no Egito

Pio Penna Filho*

A instabilidade política no Egito levou à deposição do presidente Mursi, que sofreu um duro golpe militar. O curioso desse episódio é que o golpe foi relativamente bem aceito pelos países ocidentais, sobretudo pelos Estados Unidos, que afinal são os paladinos da democracia. Em tese, portanto, os Estados Unidos teriam a obrigação de condenar veementemente a atitude dos militares egípcios.
Todavia, não foi o que aconteceu. O governo norte-americano evita, inclusive, usar o termo “golpe militar” para se referir ao que ocorreu no Egito. É uma contradição e tanto e isso só faz minar a crença no discurso em torno da democracia que vários países ocidentais sustentam.
Alguns princípios democráticos não podem ser relativizados, dependendo das conveniências de quem os defende. Ou se é democrático, ou não se é democrático. Mohamed Mursi foi eleito democraticamente, ou seja, a maior parte dos eleitores egípcios depositaram nele o seu voto de esperança de acordo com a nova realidade do país após a turbulenta deposição do ex-ditador Hosni Mubarak, ex-aliado dos Estados Unidos.
Mursi mal havia completado um ano de governo quando os militares aproveitaram os protestos para o derrubarem do poder. Se essa fosse, ou se tornar, uma prática geral, é de se imaginar quantos governos não seriam ou serão depostos antes de completarem o seus mandatos. Insatisfações populares com governantes sempre existem e fazem parte da boa prática democrática, como estamos vendo ocorrer no Brasil atualmente.
A questão central é que a Constituição egípcia não foi respeitada e por mais que se discorde da perspectiva política do presidente Mursi e da Irmandade Muçulmana, à qual está vinculado, isso não é motivo para sua deposição. A partir do momento em que os Estados Unidos como que “validam” essa quebra do princípio democrático de acordo com a sua conveniência, abre-se espaço para colocar em dúvida um dos principais pilares do seu discurso em termos políticos e éticos.
Aliás, é sempre bom lembrar que a relação entre os Estados Unidos e os militares egípcios é antiga e assentada em bases muito pragmáticas. Há tempos os norte-americanos concedem uma vultosa assistência militar e financeira para o Egito, que eventualmente é complementada com recursos provenientes de países aliados do Oriente Próximo, como a Arábia Saudita, o Kuait e o Catar. Em meio a toda essa crise, registre-se a entrega de modernos aviões de caça F-16 ao regime, mesmo após o golpe.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Comportamento Inaceitável

Pio Penna Filho*

A tentativa dos Estados Unidos de tentar capturar a todo custo Edward Snowden, ex-funcionário da CIA, está chegando a um ponto crítico. O último lance, ocorrido na terça-feira dessa semana, foi a negação de sobrevoo do avião presidencial da Bolívia sobre os territórios da França, Itália, Espanha e Portugal, o que forçou a comitiva do presidente Evo Morales a fazer uma parada não programada na Áustria.
Tal comportamento é inaceitável. Os europeus, que aliás também foram vigiados e monitorados pelos Estados Unidos, fizeram um papel muito feio ao colocar sob suspeita o Chefe de um Estado soberano em retorno de uma viagem oficial à Rússia.
Baseados em rumores, esses Estados europeus decidiram forçar a descida do avião presidencial boliviano na esperança de vasculhar a aeronave e reter Snowden para entregá-lo ao governo norte-americano. Quebraram a cara! As autoridades austríacas informaram oficialmente que o ex-agente não estava a bordo, aliás, conforme havia, também oficialmente, sido anunciado previamente pelas autoridades bolivianas.
É curioso o comportamento de alguns governos da Europa ocidental. Aparentemente não titubeariam em entregar Snowden a Washington, mesmo sabendo que ele corre o sério risco de ser condenado à morte por traição nos Estados Unidos. Ou seja, onde fica todo aquele bem elaborado discurso sobre direitos humanos que os europeus tanto gostam de apregoar por aí afora?
E mais, as ações de Snowden revelaram uma das piores facetas da atuação internacional do Estados Unidos, que é a escalada da vigilância e da espionagem em escala global. Todos que estamos conectados em rede passamos à condição de suspeitos e de alvos em potencial da espionagem norte-americana.
Onde está a ética e a moral nesse comportamento? Qual o lugar do direito a privacidade individual quando a hiperpotência decide que todos somos suspeitos? E onde isso irá parar? Para que tanta coleta de dados e informações? Ninguém e nenhum governo fica por aí juntando informações à toa, tão somente para serem descartadas na sequência.
Comunicado emitido pela presidência da Unasul, atualmente tendo à frente o Peru, já expressou descontentamento com a atitude ultrajante dos países europeus que proibiram o sobrevoo e pouso do avião boliviano por acreditarem nos rumores propagados sabe-se lá por quem. É inaceitável que um Chefe de Estado seja tratado dessa forma, tendo inclusive a sua segurança e de toda a sua comitiva, sido colocada em risco por mero boato.
Pelo visto o tempo da arrogância e do imperialismo não acabou. Ou a comunidade internacional reage e coloca sob pressão iniciativas autoritárias como essa, ou brevemente retornaremos ao tempo das trevas, quando prevalece apenas a vontade do mais forte.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Espionagem e Terror

Pio Penna Filho*

Duas das democracias mais consolidadas do mundo vem abusando insistentemente da espionagem indiscriminada em nome da guerra ao terror. Aproveitando-se do fato de que vivemos numa sociedade da informação e do alto grau de conectividade digital dos tempos atuais, Estados Unidos e Inglaterra uniram esforços para construir uma vasta rede de espionagem contra pessoas espalhadas pelo mundo.
Causa espanto o fato de que as denúncias contra tal estado de coisas tenham sido, pelo menos até o presente momento, muito tímidas. Poucos governos até agora protestaram contra essa prática que nos lembra a ação de uma espécie de “big brother” e que até pouco tempo atrás era imediatamente associado a estados totalitários.
Não fosse a ação da organização WikiLeaks e de um ou outro funcionário do governo norte-americano suficientemente consciente e corajoso para tornar público a invasão do privado pelas práticas autoritárias dos democratas dos Estados Unidos e da Inglaterra, dificilmente teríamos consciência da extensão da espionagem dos governos desses países.
Tradicionalmente, e com exceção de governos ditatoriais, a espionagem costumava ter endereço certo, ou seja, era dirigida contra determinados governos e organizações consideradas potencialmente perigosas para os interesses deste ou daquele Estado. Não é mais o que se vê. Agora, somos todos suspeitos.
Nossas mensagens de e-mail e conversas telefônicas estão sendo submetidas ao crivo dos agentes/espiões dos Estados Unidos e da Inglaterra, sem o menor pudor. Sociedades espalhadas pelo mundo encontram-se sob vigilância indiscriminada e esses Estados coletam informações permanentemente, sejam elas relacionadas exclusivamente à nossa vida privada, sejam elas associadas a posições políticas.
Algo está muito errado e é preciso reagir. É bom lembrar que o dedo acusatório dessas duas grandes potências até bem pouco tempo atrás era dirigido contra regimes autoritários que agiam da mesma forma.
Esse tipo de prática não costuma terminar bem. A história nos mostra que governos que tentam controlar as suas sociedades enveredam por caminhos sinuosos e, acima de tudo, contrários à prática da boa democracia. De boas intenções, o inferno está cheio, como diz um sábio ditado popular.
Ou reagimos ou sucumbiremos. Não se trata de ficar apenas à espera da reação das sociedades dos dois países espiões. Eles não estão vigiando apenas os seus cidadãos, o que já seria um absurdo. Os seus tentáculos espalharam-se pelo mundo sem fronteiras da sociedade em rede. É preciso dar um basta nisso enquanto ainda é tempo.





* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

domingo, 25 de agosto de 2013

Desafios Pan Amazônicos


Pio Penna Filho*

 

Um dos grandes desafios que se coloca em termos Pan Amazônicos, ou seja, envolvendo todos os países condôminos da grande floresta, diz respeito em como compatibilizar a exploração dos recursos encontrados na Amazônia com a preservação ambiental e com os direitos das populações nativas e não nativas que há muito tempo habitam a região.

A expansão do agronegócio, a exploração de gás e petróleo, as atividades de extração de madeira, ouro e outros minerais e a construção de hidroelétricas realizadas até o presente momento já demonstraram quão agressivas são essas atividades para um ecossistema relativamente frágil.

Trata-se, na verdade, de um paradoxo, porque não há como desenvolver e integrar as respectivas regiões amazônicas ao restante dos países que a compõem sem implementar projetos de desenvolvimento que dependem de fortes inversões dos Estados nacionais e que, inevitavelmente, provocam efeitos colaterais sobre o meio ambiente.

Seria uma grande ilusão pensar exclusivamente em termos de proteção ambiental sem considerar as necessidades humanas e dos países que conformam a Pan Amazônia. No fundo, não há muita diferença em termos de países, uma vez que as necessidades de praticamente todos os Estados amazônicos convergem para esse paradoxo entre os ideais “preservacionistas” e os “desenvolvimentistas”.

De toda forma, é possível, até certo ponto, compatibilizar desenvolvimento com preservação, no sentido da sustentabilidade do desenvolvimento. Nesse caso em específico, a presença do Estado na Pan Amazônica se torna condição sine qua non para que algum grau de sustentabilidade seja alcançado no processo de desenvolvimento da região.

A título de exemplo, a questão da biopirataria é apenas um dos problemas enfrentados pelos países da Pan Amazônia frente aos grandes interesses internacionais em torno do recursos amazônicos. Estima-se que as populações indígenas empreguem aproximadamente 1.300 diferentes plantas para fins medicinais, que possuem princípios ativos característicos de antibióticos, narcóticos, anticoncepcionais, antidiarreicos, anticoagulantes, fungicidas, anestésicos, antiviróticos e relaxantes musculares.

É de se imaginar a variedade de patentes no campo da saúde que podem sair de tão vasto acervo que se encontra espalhado pela Pan Amazônia. Mas as riquezas da biodiversidade não se restringem ao campo da saúde. Existe também um enorme potencial em termos alimentares e toda uma tradição “imaterial” que acaba chamando a atenção de muitos outros países e grupos para a Amazônia, mais um ponto a recomendar a real presença dos Estados Pan Amazônicos nesse imenso e valioso território. 

 



* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Cortes na Defesa


Pio Penna Filho*

 

O Ministério da Defesa foi o segundo mais atingido pelo novo corte de despesas anunciado no começo dessa semana pelo governo federal. Pelo que foi dito, serão 919 milhões de reais a menos para um orçamento que já é insuficiente para as demandas da área da defesa do Brasil.

Chega a ser escandalosa a forma como sucessivos governos vem tratando o assunto da segurança nacional. Parece que nenhum deles, pelo menos desde o início da década de 1990, tem consciência de como a falta de investimentos nesse setor acarreta prejuízos de difícil e longa recuperação. Está aí a novela da compra de aeronaves de combate para provar como não há seriedade nesse assunto.

Enquanto milhões de reais somem pelo ralo da corrupção e muito dinheiro é enterrado em projetos e obras que nunca são concluídas (aparentemente de propósito) e valores absurdos são pagos em nome de uma dívida que ninguém que está no poder quer auditar, as Forças Armadas ficam à míngua, quase inoperantes e levando uma vida do tipo para “inglês ver”.

E é esse país que deseja, pelo menos no discurso, uma cadeira como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ora, tratar a Defesa e, consequentemente, as Forças Armadas dessa maneira é dar um tiro no próprio pé. Enfim, não é uma atitude nada inteligente.

O Brasil não é um país pobre. Existem recursos, mas alguns gastos públicos beiram à irracionalidade e existe o costumeiro desperdício em nome de inúmeros privilégios aos donos do poder. A título de exemplo estão aí os escândalos da utilização de aeronaves da Força Aérea Brasileira por políticos e o execrável aparelhamento do Estado por uma coligação de partidos políticos que até outro dia se diziam de “esquerda”.

Os defensores do corte do orçamento da Defesa dizem que não existem ameaças ao Brasil e que tanto faz termos ou não Forças Armadas. Ora, esse tipo de pensamento é de uma miopia gritante, que beira a cegueira. As Forças Armadas não são um luxo, mas uma necessidade para um país da dimensão do Brasil. E as ameaças existem, sim. Vivemos num mundo em que os conflitos persistem e os grandes impõe a sua vontade pela força. Sem uma capacidade mínima de dissuasão, o país fica vulnerável e à mercê da vontade e dos interesses externos.

O pior de tudo é que o comportamento dos políticos e dos partidos brasileiros nos últimos anos tem demonstrado grande desinteresse e enorme falta de sensibilidade para um tema tão importante. Entra governo, sai governo e quase nada muda. Parece que esse quadro só mudará quando a sociedade estiver mais consciente da importância de termos Forças Armadas mais modernas, bem equipadas e treinadas. E para tudo isso é preciso dinheiro.

Em síntese, não existe uma cultura política voltada para a Defesa no nosso país e isso, pelo visto, ainda se arrastará por algum tempo. Por enquanto, temos que contar mesmo é com a sorte e com a determinação dos militares em atuar com os escassos recursos à sua disposição.

 

 

 



* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Guiana Francesa

Pio Penna Filho*
A maior fronteira da França não é com nenhum país europeu, como seria “lógico” e natural supor, uma vez que se trata de um país localizado na Europa. Na verdade, sua maior fronteira é justamente com o Brasil, que se dá por meio da chamada Guiana Francesa, um resquício da era do colonialismo encravado na grande Amazônia.
A Guiana Francesa é considerada um Departamento Ultramarino da França, ou seja, parte do território francês. Sua capital é Caiena, que conta com aproximadamente 62 mil habitantes, de um total estimado de 221 mil habitantes para todo o território.
Para os franceses, o que mais interessa na Guiana é a base de Kourou e adjacências, o que contempla a capital Caiena. o território é um dos mais importantes centros de lançamentos de foguetes do mundo. A partir da base de Kourou, os franceses (e seus associados) já lançaram com sucesso mais de 300 satélites, a maior parte deles utilizando foguetes Ariane.
Mais recentemente, houve uma expansão da base de lançamentos, que passou também a utilizar foguetes russos Soyuz, que pela primeira vez na história foram lançados de fora de território ex-soviético ou russo.
A economia da Guiana é muito pouco desenvolvida, o que gera alta dependência de recursos provenientes da “metrópole”, uma vez que possui modesta produção e uma pauta de poucos produtos exportáveis, o que é, aliás, bem típico de um modelo “colonial”.
As relações entre Brasil e França, no que diz respeito à Guiana, apresentam um baixo perfil. Aliás, existem desconfianças mútuas, o que acaba prejudicando projetos de maior aproximação.
Do lado da França/Guiana, observa-se que as autoridades francesas não promoveram a abertura de vias que integrassem as áreas litorâneas, mais povoadas, com o interior, sobretudo com as zonas de fronteira mais ao sul, que praticamente não possuem cidades ou núcleos populacionais. Além disso, em decorrência do aumento da entrada de migrantes ilegais (muitos deles provenientes do Brasil), a França endureceu a fiscalização nas fronteiras e dificultou a concessão de vistos de entrada para a Guiana (já para a própria França, essa exigência não existe).
Do lado brasileiro, só muito recentemente o país se preocupou em buscar uma maior aproximação com o território francês do ultramar na América do Sul. Assim, foi apenas no governo Fernando Henrique Cardoso que Brasil e França começaram a discutir a construção de uma ponte ligando a cidade brasileira de Oiapoque à cidade guianense de Saint-Georges-de-l’Oyapock, projeto que somente avançou após entendimentos entre os governos Lula da Silva e Nicolas Sarkozy.
Em suma, há ainda um longo caminho a ser percorrido para que o Brasil possa se aproximar da Guiana e ampliar o grau de interação com a França por meio da condição de vizinhos territoriais, o que pode trazer benefícios para ambos.




Massacre no Cairo


Pio Penna Filho*

 

O Oriente Médio continua sendo um barril de pólvora altamente explosivo. Um dos expoentes da tão falada “primavera árabe”, o Egito, um dos mais importantes países da região, vive no fio da navalha. A situação política se deteriorou tanto que a violência irrompeu de forma avassaladora durante essa semana.

Por enquanto, a contabilidade dos últimos confrontos na cidade do Cairo registra mais de 500 mortos e milhares de feridos após violenta repressão das forças militares contra os apoiadores do presidente deposto, Mohammed Mursi. Os militares egípcios, pode-se dizer, perderam o juízo. Ou, então, estão muito confiantes com o apoio externo que ainda, de certa foram, conseguem manter.

É interessante notar que o golpe de Estado recentemente dado pelos militares foi tolerado de forma não usual pela comunidade internacional, sobretudo pelos Estados Unidos. Internamente, o novo regime utilizou o argumento da ordem e do governo liberal para manter alguma legitimidade. Alguns políticos de renome internacional, como o Prêmio Nobel da Paz Mohamed El Baradei, chegaram inclusive a se aventurar no novo governo.

Baradei foi uma das primeiras baixas pós-massacre. Infelizmente para sua reputação, saiu tarde demais. Poderia ter mantido sua biografia sem o custo de tantas mortes nas costas, aliás, assim como alguns governos estrangeiros que apostaram na “solução” militar para conter a Irmandade Muçulmana.

Um dos pontos emblemáticos do que está acontecendo no Egito é justamente o desrespeito à Constituição do país e à própria e incipiente democracia egípcia. Mohammed Mursi foi democraticamente eleito e os opositores ao seu governo e à Irmandade Muçulmana não tiveram a paciência necessária para esperar o final do mandato e a decisão das urnas do próximo pleito eleitoral. Os militares e seus associados aprisionaram ilegalmente o presidente e o mantem encarcerado até hoje, sem acusações que façam algum sentido.

É preciso considerar que os militantes e simpatizantes do presidente Mursi conformam uma parcela importante da sociedade egípcia. Seu protesto é legítimo, afinal de contas ilegítima foi a ação que levou à deposição do presidente. Estavam exercendo um dos principais e mais elementares pilares da cidadania, que é o direito à livre manifestação. Não pode a comunidade internacional ficar apática diante de tal abuso e seguir a retórica vazia dos norte-americanos, que sequer reconhecem como golpe de Estado o que aconteceu no país e continuam enviando ajuda bilionária para os militares.

Os cenários de curto e médio prazos para o Egito não são muito alvissareiros. Por um lado, é muito difícil imaginar uma saída que contemple o retorno ao poder do presidente Mohammed Mursi e a normalização institucional do país; por outro, com a democracia fragilizada e as características políticas regionais, associadas à ambiguidade norte-americana em sua relação com os militares egípcios, é também difícil imaginar uma solução razoável num curto período de tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 



* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Manifestações no Brasil: repercussões internacionais


Pio Penna Filho*

As manifestações populares em curso no Brasil alcançaram outras partes do mundo. O Brasil, que já estava em evidência na mídia internacional por conta da realização da Copa das Confederações, passou agora a constar quase que diariamente em diversos noticiários internacionais que repercutem os grandes protestos que vem ocorrendo em diversas partes do país.
Trata-se de algo novo. Geralmente, as notícias sobre o Brasil focavam aspectos da extrema violência cotidiana no país ou então informações relacionadas à economia nacional. Mas a extensão das manifestações políticas em andamento chamaram a atenção da mídia, aliás, como não poderia deixar de ser.
Muitos brasileiros que moram no exterior saíram para as ruas e praças de cidades como Toronto, Madri, Paris e Londres para manifestar sua solidariedade aos protestos que vem ocorrendo no Brasil. Desta forma, ajudaram a ampliar a divulgação do descontentamento interno e passaram a mostrar um Brasil ainda pouco conhecido no exterior.
Dois aspectos ganharam mais destaque. Em primeiro lugar, o inusitado dessas manifestações. Ninguém poderia prever uma explosão de descontentamento dessas proporções e com tal intensidade. É de se notar, a propósito, que os governantes, políticos brasileiros e a própria sociedade foram pegos de surpresa.
Em segundo lugar, a reação inicial de vários governadores, sobretudo no Estado de São Paulo (mas não apenas) foi a de lançar a força policial com repressão brutal aos manifestantes. Isso repercutiu muito mal, tanto interna quanto externamente. Alguns analistas identificaram nessa atitude o despreparo da polícia brasileira para o tratamento de manifestações tipicamente democráticas e, no exterior, colocou mais um ponto de interrogação no preparo do estado brasileiro para conduzir grandes eventos.
Outro ponto que chama a atenção é que há uma tendência a fazer comparações entre as manifestações na Turquia e as que estão ocorrendo no Brasil. São questões diferentes, mas que se aproximam devido ao caráter popular e espontâneo de desafio aos governos constituídos e sua ampla mobilização promovida por meio de redes sociais.
As manifestações populares são legítimas e saudáveis para a democracia. A população tem o direito de manifestar o seu descontentamento com os governantes, ainda mais num país como o Brasil, repleto de desigualdades sociais e de atitudes insensíveis por parte de suas elites políticas. E quanto mais isso repercutir no exterior, tanto melhor. Ajuda a mostrar uma faceta nova de uma realidade antiga e pouco conhecida do nosso país.





* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Fome na Coreia do Norte


Pio Penna Filho*

Os norte-coreanos estão prestes a reviver um dos seus piores pesadelos dos anos 1990, qual seja: uma nova crise alimentar. O belicoso regime da dinastia dos Kim não consegue nem produzir e nem tampouco comprar alimentos para abastecer a população do país, já por demais sofrida com a quase absoluta falta de liberdade.
No Brasil pouca gente sabe, mas na segunda metade da década de 1990 a escassez generalizada atingiu de forma mortal aproximadamente um milhão de pessoas (as estatísticas variam muito, indo de seiscentos mil a dois milhões e meio de mortos) Essa gente morreu lentamente, em decorrência da fome, que chegou de forma gradativa.
Relatos dos sobreviventes que conseguiram fugir do país em direção à China e à Coreia do Sul traçam um quadro dramático, no qual as pessoas iam definhando e se transformando em cadáveres vivos, até sucumbirem por inanição. Literalmente, não havia o que comer em várias partes do país, principalmente nas cidades do interior.
A grande fome dos anos 1990 veio na sequência da crise do socialismo, com a extinção da União Soviética e as mudanças no regime chinês, que até então, junto com o desbaratamento dos demais países do bloco socialista, deixou a Coreia do Norte órfã e praticamente isolada do resto do mundo (assim como aconteceu, parcialmente, com Cuba).
O colapso econômico e a disposição belicosa do governo levou a uma crise interna profunda. O desemprego explodiu e a economia do país retrocedeu. Os parcos recursos do Estado foram empregados para manter os privilégios da alta cúpula do Partido dos Trabalhadores, a máquina militar em funcionamento e o estrito controle da sociedade.
O país entrou num ritmo totalmente descompassado com a modernidade e caminhou em direção ao passado. A maior parte das fábricas foram fechadas e a Coreia do Norte escureceu. Quando se observa uma foto de satélite tirada a noite nota-se, assombrosamente, o contraste da escuridão do país com o brilho de vizinhos imponentes, como a Coreia do Sul, o Japão e a China.
As perspectivas atuais não são nada boas para o povo norte-coreano. Aparentemente passou o temor de uma guerra, mas o espectro da fome está presente, talvez tanto quanto na década de 1990. Portanto, mais uma catástrofe humanitária à vista.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Art Nouveau

sábado, 1 de junho de 2013

A Internacionalização do conflito na Síria

Pio Penna Filho*

A internacionalização da guerra civil na Síria está atingindo um novo patamar. Agora os russos prometem entregar um sofisticado e poderoso sistema de mísseis para o governo do país e os europeus acabaram de anunciar o fim do embargo de venda, ou melhor, de transferência de armas para os rebeldes sírios. No fundo esses países estão alimentando a guerra civil que está consumindo com o país.
A Síria está sendo destruída por dentro. Impressiona ver as imagens de sua lenta destruição e atos de extrema barbaridade pela internet. Basta digitar “guerra na Síria” no site Youtube e pronto, o expectador terá à sua disposição cenas e mais cenas de horrores e destruição.
Cidades históricas que remontam à antiguidade vem sofrendo pesados bombardeiros, tanto de disparos de armas leves, de canhões, de blindados, de aviões e de helicópteros. Prédios, casas, hospitais, mercados, nada está sendo poupado. Franco atiradores disparam contra pessoas, bandos de rebeldes disparam seguidamente de alguma esquina e, por outro lado, tropas do Exército revidam ou atacam com o mesmo furor. Milhares já morreram e outros tantos agonizam lentamente, junto com o país.
Já não se trata apenas de um conflito interno. A guerra na Síria está internacionalizada. Ao lado do governo combatem, pelo que se tem divulgado, militantes do Hizbollah baseado no Líbano e “instrutores iranianos”. Isso sem contar com o apoio diplomático e material fornecido pelos russos. Já do lado dos insurgentes, combatem militantes islâmicos de diversos países, quase todos ligados ao jihadismo. O chamado Exército Livre da Síria também recebe suporte de governos de outros países que, naturalmente, não assumem sua ajuda.
Não adianta querer tapar o sol com a peneira. Por mais que alguns governos ocidentais insistam que não estão apoiando os rebeldes, isso não parece bater com a realidade. Alguém está ajudando os rebeldes com dinheiro, armas, munição e logística. Não fosse isso seria impossível para o Exército Livre da Síria continuar em atividade após três longos anos de conflito contra um Estado que possui, ou pelo menos possuía, um Exército relativamente bem estruturado e equipado, sem contar com o seu poder e supremacia aérea.
Fazer a guerra custa caro. Ninguém, nenhum grupo ou país que não seja rico e tenha recursos à disposição, tem condições de manter uma guerra durante muito tempo, ainda mais com as características da guerra civil na Síria.
O que os estrangeiros estão fazendo é alimentar a guerra e a destruição na Síria. É verdade que a legitimidade do regime de Bashar al Assad está comprometida há muito tempo e que dificilmente ele terá condições de se manter no poder, uma vez que a guerra está abrindo novas feridas na sociedade síria. Será preciso, portanto, algum arranjo político para que uma transição ocorra.
Mas os arautos da guerra estão falando mais alto, na Síria e fora dela. O regime não aceita ceder, entregar o poder e deixar a sociedade prosseguir. No plano externo, a política de sanções e pressão foi substituída pela via da violência. O impasse político está promovendo uma sangria talvez sem precedentes na história da Síria e os tambores da guerra parecem não se cansar. Pobre povo sírio.






* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

terça-feira, 28 de maio de 2013

A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica

Pio Penna Filho*

A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) é um organismo regional voltado para a cooperação entre os países que compõem a chamada Pan-Amazônia. Da OTCA fazem parte: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O único Estado presente na Pan-Amazônia que não faz parte da OTCA é a França, haja vista que a Guiana Francesa, como um dos seus departamentos ultramarinos, a coloca diretamente na região.
A Organização, criada em 1995, é um desdobramento do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), que foi assinado pelos mesmos países em julho de 1978. O objetivo principal da OTCA é justamente o de tornar operacional o Tratado de Cooperação Amazônia, zelando pela implementação de suas decisões.
Quando foi criado o TCA, no final da década de 1970, ainda não havia uma pressão internacional tão grande sobre os países amazônicos em torno da questão ambiental. Mas o que se percebe é que os países amazônicos, tendo à frente o Brasil, se anteciparam corretamente ao institucionalizar o processo de cooperação na vasta área da Bacia Amazônica.
A concepção de uma Pan-Amazônia mais integrada e conectada, que colocasse os países nela representados atuando conjuntamente, é anterior à assinatura do TCA. Todavia, esse assunto só esporadicamente aparecia nos discursos oficiais e muito pouco tinha sido realizado até então.
Com a ascensão dos militares ao poder no Brasil em 1964, a Amazônia passou a ser tratada com mais destaque. Com efeito, havia, como existe até hoje, uma preocupação específica dos militares com a soberania da região. Aliás, sobretudo no século XX, foram os militares, mais do que os diplomatas, os que pensaram e colocaram a Amazônia na agenda política brasileira, tanto interna quanto externamente.
Na perspectiva política dos militares, o dilema amazônico, na ótica tradicional da segurança, é muito mais internacional do que regional. Ou seja, não existe receio contra qualquer ação dos vizinhos, mas sim com a cobiça internacional em torno das riquezas amazônicas.
Ao pensar a Amazônia numa dimensão mais ampla, não é possível segmentar a Pan-Amazônia de forma a que cada país cuide apenas do seu território. A área, na verdade, conforma um sistema complexo e interdependente, daí o pensamento brasileiro ter evoluído para uma apreciação mais global dos problemas e desafios amazônicos.
E, para tanto, se fazia necessário um arranjo politico-diplomático que envolvesse os países da região, o que está na origem da assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica.
Do Tratado de Cooperação Amazônica até chegarmos à criação da OTCA, percorreu-se um longo caminho. À medida que a questão ambiental se adensava e se tornava, mesmo que gradativamente, um tema de grande destaque na agenda política internacional, o Brasil, que era e é o maior interessado nas questões amazônicas, propugnou pela institucionalização internacional do Tratado, convertendo-o num instrumento jurídico internacional com a criação da OTCA.
Assim, a ideia básica da OTCA é estabelecer, em bases permanentes, a cooperação entre os Estados amazônicos com vistas ao desenvolvimento sustentável da região, ao mesmo tempo em que persegue objetivos políticos que visam fortalecer os laços que envolvem os países que compõem a Pan-Amazônia e garantir-lhes a soberania sobre os seus respectivos territórios nacionais.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Diplomacia (II)

Pio Penna Filho*

Como analisado no artigo da semana anterior, a diplomacia é uma prática que remonta à antiguidade, derivada principalmente da necessidade política e econômica  dos Estados em manterem contatos com outros Estados. Tal prática, ou arte da negociação, evoluiu muito ao longo da história.
Durante muito tempo, no relacionamento entre os Estados, prevaleceram as chamadas relações bilaterais, ou seja, de Estado a Estado. Embora esta seja ainda uma característica forte do sistema internacional, assistimos a partir do século XX o aumento considerável da diplomacia multilateral, favorecida enormemente pelo surgimento de organizações multilaterais permanentes, seja no plano global, seja no regional.
No plano global duas instituições multilaterais ganharam destaque no século passado, ambas surgidas em épocas de guerras globais. A primeira foi a Liga das Nações, criada em 1919, na sequência da Primeira Guerra Mundial, ou Grande Guerra, como foi denominada pelos seus contemporâneos. A segunda instituição é a Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1945, no contexto da Segunda Guerra Mundial. A ONU surge como sucessora da Liga e tem basicamente os mesmos objetivos, ou seja, a promoção da paz e da segurança internacional.
No plano regional verificou-se algo semelhante ao global, com o surgimento de diversas organizações internacionais de caráter mais local, que forçaram os Estados a aumentarem o grau de interação política e estimularam a diplomacia multilateral. Veja-se os casos, por exemplo, da Organização dos Estados Americanos (OEA), União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), União Europeia (UE), União Africana (UA), dentre vários outros.
Outro aspecto importante e muito marcante ocorrido no século XX foi o surgimento de vários novos países, sobretudo na época da descolonização da Ásia e da África, logo após a Segunda Guerra Mundial. Assim, o sistema internacional se tornou muito mais complexo e diverso, reforçando a necessidade de uma diplomacia bem mais ativa.
Em tempos mais recentes a prática diplomática foi também influenciada e afetada pela disponibilidade de novos recursos tecnológicos, principalmente aqueles derivados dos avanços nos transportes, nas comunicações e na eletrônica. Contrapondo a nova realidade com os períodos históricos anteriores, vivemos um período de uma nova diplomacia, muito mais intensa e ágil.
Um exemplo concreto é a participação cada vez mais ativa de dirigentes máximos de um Estado (presidentes, por exemplo) na condução direta da diplomacia, o que levou ao que chamamos hoje de “diplomacia presidencial”. No caso do Brasil, os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva foram os mais ativos em termos de atuação diplomática diretamente conduzidas por chefes do Estado. Mas há outros exemplos, como os dos ex-presidentes norte-americanos Jimmy Carter e Bill Clinton.
À guisa de conclusão podemos dizer que nenhum país pode abrir mão da diplomacia. São os diplomatas os responsáveis por representar os seus países no exterior e promover a aproximação entre governos e sociedades. Quanto mais ativa uma diplomacia, tanto melhor para o país e para a harmonia entre os Estados.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

MATRIX E A FILOSOFIA

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Diplomacia (I)


Pio Penna Filho*

Diplomacia é a gestão das relações internacionais por negociações, o método pelo qual essas relações são ajustadas e conduzidas por representantes do Estado, ou seja, embaixadores e enviados que representam um país no exterior. É, ao pé da letra, a função ou a arte do diplomata.
Para o Brasil, a diplomacia é um precioso instrumento do Estado que ajuda a projetar sua imagem no exterior e tem auxiliado, e muito, em seu processo de desenvolvimento. Existem inúmeros exemplos da diplomacia brasileira atuando como vetor do nosso desenvolvimento.
A prática diplomática é muito antiga. Desde a formação dos primeiros sistemas de Estados na antiguidade, temos exemplos da diplomacia em atividade. Aliás, já foi dito que os primeiros diplomatas foram os anjos, ou seja, os enviados divinos para ligarem os humanos a Deus.
À parte essa retórica mais espiritualista, os Impérios, Reinos e Estados antigos se relacionavam por meio dos primeiros diplomatas, que geralmente eram emissários encarregados de transmitirem informações entre os soberanos.
A atividade diplomática foi se aperfeiçoando gradativamente. Quanto mais bem estabelecido, seja um Reino ou Império, maior a necessidade da diplomacia para os contatos políticos e as negociações comerciais entre as unidades políticas estabelecidas.
Em alguns lugares a diplomacia foi mais intensa, como na relação entre as cidades-estados gregas. Em outros, apesar de existir, a preferência recaía no oposto da diplomacia, ou seja, no emprego da violência e na intimidação como forma de relacionamento e imposição de determinado ponto de vista. Esse foi o caso, em muitas circunstâncias e em vários momentos históricos, da atuação dos romanos.
O grande avanço na diplomacia ocorreu durante o renascimento italiano, quando as principais cidades-estados da península italiana (Gênova, Florença, Milão e Veneza) passaram a manter embaixadores permanentes umas junto às outras. Daí em diante essa prática foi se disseminando paulatinamente para outros Estados europeus.
Em 1648, com o Congresso de Vestfália, temos um novo avanço da diplomacia. O Congresso se reuniu na sequência da desgastante “Guerra dos Trinta Anos”, que colocou em lados opostos vários Estados europeus. Pode-se dizer que as negociações ocorridas durante o Congresso levaram, mais tarde, ao exercício da diplomacia multilateral, ou seja, a um tipo de diplomacia que envolve simultaneamente vários Estados.
No século XIX temos uma nova mudança marcante. De novo, foi uma guerra que fomentou a renovação das práticas diplomáticas. Nesse caso, a expansão napoleônica promoveu uma desordem tal na velha Europa que um novo Congresso foi convocado. Trata-se do Congresso de Viena, de 1815, que consolidou o chamado sistema internacional europeu, que com o tempo disseminou novas práticas diplomáticas para outras partes do mundo.
Já no século XX duas convenções marcaram a diplomacia mundial. Em 1961, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomática e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares resultaram na consolidação da diplomacia em escala global, determinando protocolos e práticas reconhecidas por quase todos os Estados.



* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com