terça-feira, 28 de maio de 2013

A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica

Pio Penna Filho*

A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) é um organismo regional voltado para a cooperação entre os países que compõem a chamada Pan-Amazônia. Da OTCA fazem parte: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O único Estado presente na Pan-Amazônia que não faz parte da OTCA é a França, haja vista que a Guiana Francesa, como um dos seus departamentos ultramarinos, a coloca diretamente na região.
A Organização, criada em 1995, é um desdobramento do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), que foi assinado pelos mesmos países em julho de 1978. O objetivo principal da OTCA é justamente o de tornar operacional o Tratado de Cooperação Amazônia, zelando pela implementação de suas decisões.
Quando foi criado o TCA, no final da década de 1970, ainda não havia uma pressão internacional tão grande sobre os países amazônicos em torno da questão ambiental. Mas o que se percebe é que os países amazônicos, tendo à frente o Brasil, se anteciparam corretamente ao institucionalizar o processo de cooperação na vasta área da Bacia Amazônica.
A concepção de uma Pan-Amazônia mais integrada e conectada, que colocasse os países nela representados atuando conjuntamente, é anterior à assinatura do TCA. Todavia, esse assunto só esporadicamente aparecia nos discursos oficiais e muito pouco tinha sido realizado até então.
Com a ascensão dos militares ao poder no Brasil em 1964, a Amazônia passou a ser tratada com mais destaque. Com efeito, havia, como existe até hoje, uma preocupação específica dos militares com a soberania da região. Aliás, sobretudo no século XX, foram os militares, mais do que os diplomatas, os que pensaram e colocaram a Amazônia na agenda política brasileira, tanto interna quanto externamente.
Na perspectiva política dos militares, o dilema amazônico, na ótica tradicional da segurança, é muito mais internacional do que regional. Ou seja, não existe receio contra qualquer ação dos vizinhos, mas sim com a cobiça internacional em torno das riquezas amazônicas.
Ao pensar a Amazônia numa dimensão mais ampla, não é possível segmentar a Pan-Amazônia de forma a que cada país cuide apenas do seu território. A área, na verdade, conforma um sistema complexo e interdependente, daí o pensamento brasileiro ter evoluído para uma apreciação mais global dos problemas e desafios amazônicos.
E, para tanto, se fazia necessário um arranjo politico-diplomático que envolvesse os países da região, o que está na origem da assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica.
Do Tratado de Cooperação Amazônica até chegarmos à criação da OTCA, percorreu-se um longo caminho. À medida que a questão ambiental se adensava e se tornava, mesmo que gradativamente, um tema de grande destaque na agenda política internacional, o Brasil, que era e é o maior interessado nas questões amazônicas, propugnou pela institucionalização internacional do Tratado, convertendo-o num instrumento jurídico internacional com a criação da OTCA.
Assim, a ideia básica da OTCA é estabelecer, em bases permanentes, a cooperação entre os Estados amazônicos com vistas ao desenvolvimento sustentável da região, ao mesmo tempo em que persegue objetivos políticos que visam fortalecer os laços que envolvem os países que compõem a Pan-Amazônia e garantir-lhes a soberania sobre os seus respectivos territórios nacionais.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Diplomacia (II)

Pio Penna Filho*

Como analisado no artigo da semana anterior, a diplomacia é uma prática que remonta à antiguidade, derivada principalmente da necessidade política e econômica  dos Estados em manterem contatos com outros Estados. Tal prática, ou arte da negociação, evoluiu muito ao longo da história.
Durante muito tempo, no relacionamento entre os Estados, prevaleceram as chamadas relações bilaterais, ou seja, de Estado a Estado. Embora esta seja ainda uma característica forte do sistema internacional, assistimos a partir do século XX o aumento considerável da diplomacia multilateral, favorecida enormemente pelo surgimento de organizações multilaterais permanentes, seja no plano global, seja no regional.
No plano global duas instituições multilaterais ganharam destaque no século passado, ambas surgidas em épocas de guerras globais. A primeira foi a Liga das Nações, criada em 1919, na sequência da Primeira Guerra Mundial, ou Grande Guerra, como foi denominada pelos seus contemporâneos. A segunda instituição é a Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1945, no contexto da Segunda Guerra Mundial. A ONU surge como sucessora da Liga e tem basicamente os mesmos objetivos, ou seja, a promoção da paz e da segurança internacional.
No plano regional verificou-se algo semelhante ao global, com o surgimento de diversas organizações internacionais de caráter mais local, que forçaram os Estados a aumentarem o grau de interação política e estimularam a diplomacia multilateral. Veja-se os casos, por exemplo, da Organização dos Estados Americanos (OEA), União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), União Europeia (UE), União Africana (UA), dentre vários outros.
Outro aspecto importante e muito marcante ocorrido no século XX foi o surgimento de vários novos países, sobretudo na época da descolonização da Ásia e da África, logo após a Segunda Guerra Mundial. Assim, o sistema internacional se tornou muito mais complexo e diverso, reforçando a necessidade de uma diplomacia bem mais ativa.
Em tempos mais recentes a prática diplomática foi também influenciada e afetada pela disponibilidade de novos recursos tecnológicos, principalmente aqueles derivados dos avanços nos transportes, nas comunicações e na eletrônica. Contrapondo a nova realidade com os períodos históricos anteriores, vivemos um período de uma nova diplomacia, muito mais intensa e ágil.
Um exemplo concreto é a participação cada vez mais ativa de dirigentes máximos de um Estado (presidentes, por exemplo) na condução direta da diplomacia, o que levou ao que chamamos hoje de “diplomacia presidencial”. No caso do Brasil, os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva foram os mais ativos em termos de atuação diplomática diretamente conduzidas por chefes do Estado. Mas há outros exemplos, como os dos ex-presidentes norte-americanos Jimmy Carter e Bill Clinton.
À guisa de conclusão podemos dizer que nenhum país pode abrir mão da diplomacia. São os diplomatas os responsáveis por representar os seus países no exterior e promover a aproximação entre governos e sociedades. Quanto mais ativa uma diplomacia, tanto melhor para o país e para a harmonia entre os Estados.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

MATRIX E A FILOSOFIA

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Diplomacia (I)


Pio Penna Filho*

Diplomacia é a gestão das relações internacionais por negociações, o método pelo qual essas relações são ajustadas e conduzidas por representantes do Estado, ou seja, embaixadores e enviados que representam um país no exterior. É, ao pé da letra, a função ou a arte do diplomata.
Para o Brasil, a diplomacia é um precioso instrumento do Estado que ajuda a projetar sua imagem no exterior e tem auxiliado, e muito, em seu processo de desenvolvimento. Existem inúmeros exemplos da diplomacia brasileira atuando como vetor do nosso desenvolvimento.
A prática diplomática é muito antiga. Desde a formação dos primeiros sistemas de Estados na antiguidade, temos exemplos da diplomacia em atividade. Aliás, já foi dito que os primeiros diplomatas foram os anjos, ou seja, os enviados divinos para ligarem os humanos a Deus.
À parte essa retórica mais espiritualista, os Impérios, Reinos e Estados antigos se relacionavam por meio dos primeiros diplomatas, que geralmente eram emissários encarregados de transmitirem informações entre os soberanos.
A atividade diplomática foi se aperfeiçoando gradativamente. Quanto mais bem estabelecido, seja um Reino ou Império, maior a necessidade da diplomacia para os contatos políticos e as negociações comerciais entre as unidades políticas estabelecidas.
Em alguns lugares a diplomacia foi mais intensa, como na relação entre as cidades-estados gregas. Em outros, apesar de existir, a preferência recaía no oposto da diplomacia, ou seja, no emprego da violência e na intimidação como forma de relacionamento e imposição de determinado ponto de vista. Esse foi o caso, em muitas circunstâncias e em vários momentos históricos, da atuação dos romanos.
O grande avanço na diplomacia ocorreu durante o renascimento italiano, quando as principais cidades-estados da península italiana (Gênova, Florença, Milão e Veneza) passaram a manter embaixadores permanentes umas junto às outras. Daí em diante essa prática foi se disseminando paulatinamente para outros Estados europeus.
Em 1648, com o Congresso de Vestfália, temos um novo avanço da diplomacia. O Congresso se reuniu na sequência da desgastante “Guerra dos Trinta Anos”, que colocou em lados opostos vários Estados europeus. Pode-se dizer que as negociações ocorridas durante o Congresso levaram, mais tarde, ao exercício da diplomacia multilateral, ou seja, a um tipo de diplomacia que envolve simultaneamente vários Estados.
No século XIX temos uma nova mudança marcante. De novo, foi uma guerra que fomentou a renovação das práticas diplomáticas. Nesse caso, a expansão napoleônica promoveu uma desordem tal na velha Europa que um novo Congresso foi convocado. Trata-se do Congresso de Viena, de 1815, que consolidou o chamado sistema internacional europeu, que com o tempo disseminou novas práticas diplomáticas para outras partes do mundo.
Já no século XX duas convenções marcaram a diplomacia mundial. Em 1961, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomática e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares resultaram na consolidação da diplomacia em escala global, determinando protocolos e práticas reconhecidas por quase todos os Estados.



* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Crises Humanitárias


Pio Penna Filho*

 

Vários países, em várias regiões do mundo, vivem verdadeiras crises humanitárias que desafiam a consciência da comunidade internacional em termos humanitários. A situação é tão grave que é assustador verificar como essas crises quase não repercutem na mídia internacional e pouco tocam as sociedades que, por sorte ou outros motivos, tem a felicidade de não enfrentarem tais situações.

A Síria é hoje um dos mais preocupantes casos de crise humanitária do mundo. O país, como todos sabem, passa por uma prolongada guerra civil que já matou mais de 60 mil pessoas e levou mais de 2 milhões de sírios a buscarem refúgio no exterior, em sua grande maioria vivendo em condições precaríssimas em países vizinhos, como a Turquia.

A África é o continente que mais atenção chama quando pensamos em crises humanitárias. Vários países e regiões do continente passam simultaneamente por crises geralmente derivadas de guerras civis. Em alguns casos, como o da República Democrática do Congo, a situação é crônica, ou seja, a crise é prolongada e a sensação é de que não há esperança em termos de curto ou médio prazos.

Ainda no continente africano podemos destacar a caótica situação vivida na Somália, também em decorrência de uma prolongada guerra civil. Nesse país, o Estado praticamente desapareceu e, dentre as suas consequências, há insegurança humana e alimentar em graus elevadíssimos, o que frequentemente leva a crises humanitárias de difícil encaminhamento.

Outro exemplo que se tornou bem conhecido no Brasil diz respeito ao Haiti. Esse país, que conta com uma história singular entre os demais da América Latina e Caribe, experimenta décadas de crises humanitárias catastróficas, seja como consequência da ação humana, seja por capricho da natureza. Apesar do envolvimento da comunidade internacional e da presença de organizações internacionais, inclusive com tropas brasileiras, poucos observadores conseguem enxergar um horizonte positivo no curto e no médio prazo.

Na América do Sul talvez o exemplo mais apropriado quando pensamos em crise humanitária seja o da Colômbia, embora nesse caso aparentemente o pior momento já tenha passado. De toda forma, o fluxo de refugiados do país ainda não foi contido e todo ano centenas de colombianos desembarcam no Brasil em busca de um recomeço.

Citei neste artigo apenas alguns casos de crises humanitárias. Infelizmente, existem muitas outras crises ocorrendo simultaneamente ao redor do planeta. Somos hoje um pouco mais de 7 bilhões de terráqueos e, desses, algo em torno de 1 bilhão passa fome ou não tem acesso a alimentação adequada. As guerras consomem milhares de vidas anualmente e levam sofrimento a outras tantas. Milhares e milhares de pessoas são obrigadas anualmente a deixar os seus locais de origem em busca de abrigo e proteção. Enfim, infelizmente as crises humanitárias parecem ser uma constante na vida no planeta terra.

O Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUR) faz o possível e, em alguns casos, o impossível para prestar apoio aos refugiados e deslocados espalhados pelo mundo, mas os seus recursos são limitados. A humanidade, infelizmente, caminha assim, sem muita esperança de uma vida mais digna, igualitária e que atenda às necessidades das pessoas.

 

 

 

 



* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Guantánamo, de novo!

Autor: Prof. Dr. Pio Penna Filho
 
A infame prisão de Guantánamo volta ao noticiário internacional depois da divulgação de que mais de cem presos se encontram em greve de fome, muitos desde fevereiro desse ano e alguns já em estado crítico e sendo alimentados à força para evitar a morte. A prisão é infame por uma série de fatores, mas principalmente pelo desrespeito aos direitos humanos.
Os Estados Unidos, aliás, costumam ser os paladinos planetários em defesa dos direitos humanos. Sua política externa usa e abusa do tema quando convém a Washington colocar pressão sobre esse ou aquele governo que viole esses direitos. O mesmo ocorre com a sociedade norte-americana. Quando se trata de acusar, estão sempre prontos.
Quando o problema é em casa, aí as coisas mudam completamente de figura. Nem o governo e nem a sociedade parecem se importar tanto assim com os chamados direitos humanos. Guantánamo é prova cabal disso. Lá, os presos passam por um regime prisional diferenciado e extremamente severo. Muitos ficam anos sem uma acusação formal perante a lei e outros tantos, depois de experimentarem a dureza da prisão, são liberados e devolvidos aos seus países de origem também sem uma explicação clara, a não ser a vaga acusação de “terrorismo internacional”.
Não bastasse isso, as inúmeras alegações de torturas, sevícias e humilhações quase cotidianas fazem parte do amplo rol de desrespeito aos direitos humanos verificados na prisão. Isso tudo sem nenhuma palavra oficial, sem quase nenhuma campanha de organizações não-governamentais baseadas nos Estados Unidos contra o governo mantenedor dessa vergonhosa prisão.
O que os Estados Unidos vem fazendo contra o que chamam de “terrorismo internacional” é uma verdadeira guerra suja, aliás uma expressão muito usada por eles para designar o comportamento das ditaduras do Terceiro Mundo, como ocorreu em vários países da América Latina – inclusive no Brasil – da Ásia e da África durante a Guerra Fria.
O que ocorre em Guantánamo é apenas uma parte dessa guerra. Na outra ponta situa-se a ação criminosa da utilização de drones, os raptos e desaparecimentos de pessoas suspeitas ou envolvidas em atividades terroristas e os assassinatos seletivos e não-seletivos que usam o mais moderno dispositivo militar do planeta.
Naturalmente, há que se compreender a dificuldade de combater grupos terroristas, mas um Estado democrático de direito, para se distinguir das nefastas e atrozes ações do terror contra alvos notadamente civis, deveria utilizar mecanismos legais e respeitadores dos direitos humanos como regra principal de engajamento. Além disso, o combate ao terrorismo pressupõe uma ativa agenda política que vem sendo atropelada por ações violentas e meramente repressivas, que não conseguem atingir as causas de tais atos desesperados.
Ainda durante a campanha eleitoral para o primeiro mandato o presidente Obama prometeu fechar a prisão de Guantánamo. Foi um anúncio importante e alvissareiro, que reconhecia as sérias implicações para os valores democráticos e relacionados ao respeito aos direitos humanos. Entretanto, sua promessa não se concretizou.
Agora, já em seu segundo mandato, surge novamente o caso de Guantánamo e um discurso renovado, que aparentemente busca atingir o mesmo objetivo. Oxalá dessa vez seja para valer. O que não falta nos Estados Unidos são prisões para abrigar sua enorme população carcerária, portanto, não será por isso que Guantánamo não poderá ser devidamente fechada.