segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Refugiados e Imigrantes

Pio Penna Filho*

As últimas imagens de pessoas desesperadas tentando chegar ao espaço europeu tem chamado a atenção internacional para o fenômeno dos deslocamentos humanos recentes. São cenas chocantes de milhares de pessoas que tentam a todo o custo entrar na Europa em busca de melhores condições de vida, mesmo que isso lhes custe a própria vida.
Essas pessoas se dividem, basicamente, em dois grupos. Há o grupo dos refugiados, que geralmente saem de países que passam por conflitos e guerras civis, como são os casos da Síria e do Afeganistão, e o grupo dos imigrantes, sendo que este último reúne pessoas que desejam uma oportunidade em algum país estável e desenvolvido.
A relativa proximidade geográfica, o nível de desenvolvimento e a possibilidade de um recomeço de vida são os principais atrativos identificados por imigrantes e refugiados que buscam a Europa. Lá parece ser, para muitos, uma terra promissora, uma espécie de novo “eldorado”.
O problema é que a Europa, assim como qualquer outra região do mundo, não está preparada para receber um fluxo tão grande de pessoas num período tão curto de tempo. Em termos financeiros os custos para manter uma população nova, ainda em fase de estabelecimento e adaptação, são muito elevados.
Mas há também o problema do choque cultural. A maioria dos refugiados e imigrantes são provenientes de culturas muito distintas das europeias e o choque é inevitável, sobretudo com problemas de discriminação e preconceito. Assim, a humilhação se associa à vulnerabilidade dessas pessoas quando elas conseguem chegar à Europa.
Não há solução a curto prazo para esse problema. Não adianta os europeus tentarem “fechar” as suas fronteiras com arame farpado, com muros, com dispositivos militares e coisas afins. A pressão continuará e a tendência é que esses fluxos aumentem, pelo menos ainda por um tempo.
A única saída, e essa demanda tempo, é tentar levar estabilidade política e algum desenvolvimento econômico para as principais regiões de onde partem esses imigrantes e refugiados. Enquanto isso não mudar, todas as políticas de contenção do problema estarão fadadas ao insucesso. E isso, como se sabe, não acontece e nem acontecerá da noite para o dia.
Há muita desigualdade no mundo contemporâneo. Vivemos numa era globalizada, em que o mundo parece ter encolhido, diminuído, e se tornado mais interdependente e desigual, e isso coloca em evidência o grande contraste entre os ricos e os pobres. A busca por melhores condições de vida é legítima e natural para o ser humano. O mundo, portanto, não pode fechar os olhos deliberadamente para o sofrimento de tanta gente.
Esse problema não é apenas da Europa, é bom que se diga. É um problema global e que requer, portanto, uma resposta global.

















* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

As Bombas de Hiroshima e Nagasaki

Pio Penna Filho*

Segunda-feira, 6 de agosto de 1945, pouco depois das oito horas da manhã os americanos lançaram uma bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima. No dia 09 do mesmo mês, porém um pouco mais tarde, mas ainda pela manhã, foi a vez da cidade de Nagasaki. Milhares de pessoas morreram instantaneamente. Outras milhares morreram mais lentamente, até mesmo muitos anos após os eventos dos dias 06 e 09 de agosto.
Os Estados Unidos cometeram um verdadeiro crime contra a humanidade no Japão. Os lançamentos das bombas atômicas, uma de urânio e outra de plutônio, poderiam tranquilamente terem sido evitados. Mas os americanos queriam mostrar ao mundo a sua nova e formidável arma. Queriam também castigar o Japão pelo ataque à base naval de Pearl Harbor, que desencadeou a guerra entre os dois países.
A decisão de lançar as bombas não foi baseada apenas levando em conta os objetivos militares norte-americanos. Ela teve, na verdade, um forte componente político, que era o de mostrar aos soviéticos e ao mundo quão poderoso eram os Estados Unidos ao final da Segunda Guerra Mundial.
O presidente dos Estados Unidos, assim como os cientistas e as pessoas diretamente envolvidas no programa nuclear, estavam plenamente cientes que haviam construído uma arma com potencial nunca antes visto e que o seu impacto seria apavorante. Aliás, a escolha dos alvos nos revela até onde pode ir a maldade humana, especialmente em tempos de guerra.
Hiroshima foi uma cidade relativamente tranquila durante toda a guerra. Praticamente não sofreu ataques aéreos convencionais norte-americanos e sua população estava um tanto despreocupada com a possibilidade de se tornar alvo direto de um ataque. Daí é possível imaginar a surpresa de sua população quando a bomba explodiu, ainda mais porque ninguém conseguiu compreender que arma era aquela que havia produzido um efeito tão devastador e estranho.
A ideia era justamente essa: usar a cidade japonesa de Hiroshima como um balão de ensaio para verificar o resultado de um ataque nuclear real. O que aconteceria com a infraestrutura da cidade? Qual seria a real dimensão do poder destrutivo da bomba? Quantas pessoas ela poderia matar de uma só vez? Essas e outras dúvidas precisavam ser respondidas com uma experiência concreta. Quanto mais destrutiva, quanto mais pessoas mortas, melhor para a propaganda norte-americana.
Não satisfeitos com o ataque a Hiroshima, os Estados Unidos atacaram Nagasaki com um novo artefato nuclear. Aí o crime se materializa de vez, porque as notícias sobre os horrores ocorridos em Hiroshima já haviam se espalhado e os Estados Unidos já tinham uma ideia mais precisa sobre os efeitos da bomba. Caso os japoneses não se rendessem, muito provavelmente outra bomba seria lançada. Talvez até mais de uma.
Hoje, os arsenais nucleares são muito mais vastos e as bombas e ogivas muito mais poderosas do que aquelas lançadas no Japão em 1945. Norte-americanos, russos, chineses, franceses, ingleses, paquistaneses, indianos, israelenses e norte-coreanos possuem sofisticadas bombas atômicas.
É até compreensível que tenhamos chegado ao ponto que chegamos, sobretudo porque a humanidade é movida, em grande medida, por sentimentos nada nobres, como bem nos ensina a História. A lição que fica é que, infelizmente, não se deve duvidar, de jeito nenhum, da maldade humana. Caso os Estados Unidos tivessem perdido essa guerra, certamente os seus dirigentes seriam julgados e condenados por crimes contra a humanidade.









* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB),  Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Estratégicos do Exército Brasileiro (CEEEX). E-mail: piopenna@gmail.com

Paraguai: guerra injusta?

Pio Penna Filho*

O Papa Francisco, em recente visita ao Paraguai, afirmou que a guerra do Paraguai foi injusta. Sem dúvida, a guerra do Paraguai foi injusta, sobretudo com o povo paraguaio. Mas qual guerra pode ser considerada justa? O que é necessário para definir uma guerra como justa? Talvez o Papa tenha falado isso porque é um humanista e, por princípio, contrário a todas as formas de guerra.
É muito difícil afirmar que uma guerra é justa. Geralmente é aceito que um país tem o direito de se defender quando sofre uma agressão. Se for esse o caso para definir que uma guerra é “justa”, pelo menos em seu ponto de partida, então a guerra do Paraguai começou a partir de um ato de justiça, porque afinal o Brasil foi atacado por tropas paraguaias que, além de invadirem o território do país, assassinaram cidadãos brasileiros e saquearam propriedades por onde passaram.
Temos que parar com a vitimização do Paraguai em decorrência da guerra do século XIX. É bobagem e proselitismo barato dizer que o Brasil foi o malvado e o Paraguai, a vítima; o país bonzinho destruído pelo poderoso Império brasileiro.
Os paraguaios seguiram até o fim o seu líder supremo, o marechal Solano López, que arriscou a existência de sua pátria em nome de um objetivo político impossível de ser alcançado, que era impor os interesses do seu país ao Brasil por meio de uma medida de força. Aliás, a reabilitação histórica de Solano López é, no fundo, um despropósito, porque afinal foi ele o artífice de sua própria queda e da ruína do seu país. É esse tipo de líder ou herói que os paraguaios querem cultuar?
López teve o destino que mereceu. Suas próprias ações levaram a isso. Acusar o Imperador e os militares brasileiros de terem conduzido uma guerra injusta não faz o menor sentido, a não ser na perspectiva da vitimização de um país que foi vítima do seu próprio líder supremo. Não devemos, como brasileiros, portanto, ceder a esse canto da sereia do revisionismo histórico sem fundamento nos fatos.
É preciso, portanto, colocar a questão em perspectiva. Nesse caso, não há como mudar a História. O que aconteceu foi que o Paraguai, numa atitude insana, atacou o Brasil e a Argentina e pagou para ver. O que queria Solano López? Que o Império brasileiro recuasse e aceitasse a vontade política do Paraguai, intimidado por uma agressão militar? Ora, isso simplesmente não existe.
O Brasil exerceu o seu direito e, diria mesmo, sua obrigação de revide a uma agressão externa. E é sempre bom lembrar que quem se preparou para a guerra foi o Paraguai. Nem o Brasil e nem a Argentina pensavam em guerrear com o Paraguai, por isso o prolongamento do conflito, uma vez que os seus exércitos estavam despreparados para a guerra.
É verdade que a guerra atingiu um patamar absurdo de violência e que quem pagou o preço mais caro por ela foi o povo paraguaio. Mas qual guerra não é violenta? A violência é inerente à guerra. Acusações de crueldade em guerras são redundantes e, por vezes, são usadas como forma de denegrir a imagem de um dos atores por motivos políticos. Tão covarde quanto matar crianças em combate é colocá-las em combate, isso apenas para ilustrar um dos episódios mais criticados da guerra.
Portanto, a guerra do Paraguai foi injusta como todas as guerras são injustas. É preciso parar com esse proselitismo barato de que o Paraguai é o que é por causa do Brasil.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB),  Pesquisador do CNPq e do Centro de Estudos Estratégicos do Exército Brasileiro (CEEEX). E-mail: piopenna@gmail.com 

Direitos Humanos - Trajetória no tempo, fragmentos da história






CLIPE NO LINK PARA LER O ARTIGO:

Direitos Humanos - Trajetória no tempo, fragmentos da história










domingo, 2 de agosto de 2015

ORIENTALISMO, resenha do livro de Edward W. Said

Autor: FÁBIO DE OLIVEIRA RIBEIRO



O livro, que no Brasil foi publicado pela Companhia das Letras, é dividido em três partes. Na primeira o autor trata do alcance do orientalismo, na segunda das estruturas do mesmo e no terceiro do orientalismo na atualidade. Apesar de ter sido publicado na década de 1970, ORIENTALISMO é uma obra fundamental para compreendermos como o Ocidente inventou o Oriente.


Foi o orientalismo que construiu os consensos que permitem e legitimam as atrocidades americanas no Oriente Médio. Israel serve-se do mesmo para submeter de maneira brutal os palestinos dentro e fora do seu território.


Em prefácio para a obra escrito em 2003, Said afirma que as "...sociedades contemporâneas de árabes e muçulmanos sofreram um ataque tão maciço, tão calculadamente agressivo em razão de seu atraso, de sua falta de democracia e de sua supressão dos direitos das mulheres que simplesmente esquecemos que noções como modernidade, iluminismo e democracia não são, de modo algum, conceitos simples e consensuais que se encontram ou não, como ovos de Páscoa, na sala de casa." A observação é precisa. Afinal, até bem pouco tempo muitos paises considerados ocidentais ou viviam sob ditaduras (Argentina, Chile, Brasil) ou apoiavam regimes autoritários em nome da democracia (EUA) .


Na introdução da obra, o autor esclarece que o "...Oriente não é apenas adjacente à Europa; é também o lugar das maiores, mais ricas e mais antigas colônias européias, a fonte de suas civilizações e línguas, seu rival cultural e uma das suas imagens mais profundas e mais recorrentes do Outro. Além disto, o Oriente ajudou a definir a Europa (ou o Ocidente) com sua imagem idéia, personalidade, experiência contrastantes. Mas nada nesse Oriente é meramente imaginativo. O Oriente é uma parte integrante da civilização e da cultura material européia. O Orientalismo expressa e representa essa parte em termos culturais e mesmo ideológicos, num modo de discurso baseado em instituições, vocabulário, erudição, imagens, doutrinas, burocracias e estilos coloniais."


Ao longo da obra Said demonstrará como este Outro foi material e intelectualmente importante para consolidar o Ocidente. Também demonstrará que nunca houve uma contrapartida. Enquanto os europeus (e depois os americanos) alimentavam o orientalismo no Oriente não houve um processo intelectual similar. Não há um ocidentalismo produzido por intelectuais árabes. A prova desta assimetria é evidente, pois "...tem se estimado, que foram escritos cerca de 60 mil livros sobre o Oriente Próximo entre 1800 e 1950; não há um número nem de longe comparável de livros orientais sobre o Ocidente. Como aparato cultural, o Orientalismo é agressão, atividade, julgamento, persistência e conhecimento."


Para Said a "...relação entre Ocidente e o Oriente é uma relação de poder, de dominação, de graus variáveis de uma hegemonia complexa..." O orientalismo, não foi, portanto, apenas o resultado de ocupações militares. Foi principalmente um investimento continuado que criou "...um sistema de conhecimento sobre o Oriente, uma rede aceita para filtrar o Oriente na consciência ocidental, assim como o mesmo investimento multiplicou - na verdade, tornou verdadeiramente produtivas - as afirmações que transitam do Orientalismo para a cultura em geral."


Muitos escritores europeus se dedicaram ao orientalismo ou por ele foram influenciados. Nem todos tinham consciência do verdadeiro valor político e ideológico de sua produção intelectual para a hegemonia do Ocidente no Oriente. De qualquer maneira ocorreu "...um intercâmbio dinâmico entre autores individuais e os grandes interesses políticos modelados pelos três grandes impérios - o britânico, o francês e o americano - em cujo território intelectual e imaginativo a escrita foi produzida."


O orientalismo se encarregou de representar o Oriente, de definir seus contornos, características e vocações. Tudo isto foi feito á margem dos interesses do habitantes do Oriente. Não foram os orientais mas os ocidentais que criaram e alimentaram - e ainda alimentam - o orientalismo. Mas não é o que está oculto nos textos orientalistas que chamaram a atenção de Said. Sua análise tem como objeto o que está na superfície dos textos. É na sua exterioridade em relação ao que descreve que Sai descobre todo um universo de percepções distorcidas.


O produto desta exterioridade é a representação "...desde um marco tão remoto como a peça de Ésquilo Os Persas, o Oriente é transformado, passando de uma alteridade muito distante e freqüentemente ameaçadora para figuras que são relativamente familiares (no caso de Ésquilo, mulheres asiáticas aflitas)." Segundo Said a peça "...obscurece o fato de que o público está assistindo uma encenação altamente artificial de algo que um não oriental transformou num símbolo de todo o Oriente." O mesmo seria feito de maneiras parecidas pelos autores medievais, iluministas e modernos.


Recentemente tivemos a oportunidade de ver como o orientalismo atua da forma parecida no cinema. No filme 300, Xerxes foi representado como um gigante libidinoso cercado de seres infernais. A única virtude do personagem de Frank Miller é faltar-lhe todos atributos dos gregos comandados por Leonidas (humanidade, honra, virilidade e coragem). O filme é uma representação de outra representação, ou seja, uma versão distorcida da história do episódio da segunda Guerra Médica - que como todos sabem chegou a nós através da narrativa de um grego não por um persa. O enredo do filme se afastou-se de tal maneira do livro de Heródoto que tomei a liberdade de fazer uma comparação entre o mesmo e o suposto clássico de Frank Miller.


O filme 300 é sedutor e tem efeitos especiais magníficos. É, portanto, um típico exemplo de como a tecnologia também tem sido utilizada para preservar o cânone orientalista. Já na década de 1970, Said percebeu que um "...aspecto do mundo eletrônico pós-moderno é que houve um reforço dos estereótipos pelos quais o Oriente é visto. A televisão, os filmes e todos os recursos da mídia têm forçado as informações a se ajustar em moldes cada vez mais padronizados. No que diz respeito ao Oriente, a padronização e os estereótipos culturais intensificam o domínio da demonologia imaginativa e acadêmica do 'misterioso Oriente' do século XIX."


Ao tratar do alcance do orientalismo, Said faz referência a dois políticos ingleses: Balfour e Cromer.


No princípio do século XX, o britânico Arthur James Balfour proferiu um discurso na Câmara dos Comuns sobre os problemas no Egito. Após analisar o mesmo detalhadamente, Said percebeu que o discurso pode ser decomposto da seguinte maneira: "A Inglaterra conhece o Egito; o Egito é o que a Inglaterra conhece; a Inglaterra sabe que o Egito não pode ter autogoverno; a Inglaterra confirma esse conhecimento ocupando o Egito; para os egípcios, o Egito é o que a Inglaterra ocupou e agora governa; a ocupação estrangeira torna-se, portanto, 'a própria base' da civilização egípcia contemporânea; o Egito requer, até insistentemente, a ocupação britânica."


No discurso de Balfour o Egito não um país. É uma categoria britânica. Os egípcios não são seres humanos, mas coisas que preenchem um espaço geográfico ocupado pelo exército colonial da Inglaterra.


Ao contrário de Balfour, Cromer foi governador colonial dos egípcios. Mesmo assim nunca fez quaisquer "...esforços para esconder que, a seus olhos, os orientais eram apenas o material humano que ele governava nas colônias britânicas". Para Cromer o oriental "...age, fala e pensa de um modo exatamente oposto ao do europeu."


O autor de ORIENTALISMO detectou na linguagem de Balfour e Cromer que o "...oriental é descrito como algo que se julga (como um tribunal), algo que se estuda e descreve (como num currículo), algo que se disciplina (como numa escola ou prisão), algo que se ilustra (como num manual de zoologia). O ponto é que em cada um desses casos o oriental é contido e representado por estruturas dominadoras." Apenas a título de ilustração, sugiro ao leitor que imagine um egípcio falando dos britânicos em termos parecidos. Qual seria a reação dos britânicos se isto ocorresse? Caso o leitor não seja capaz de imaginar uma situação tão inusitada ou de compreender a simetria entre as reações de um inglês e um egípcio às representações feitas de ambos pelo Outro o orientalismo certamente já capturou sua consciência.


A análise de discursos políticos pode dar a impressão que o orientalismo foi produto do colonialismo do século XIX. Não foi. Muito antes do colonialismo europeu os ocidentais já haviam criado e se apropriado ideologicamente do Oriente. Mas Said reconhece que durante a expansão européia (1815/1914) houve um progresso imenso das instituições e do conteúdo orientalista.


"O Orientalismo foi submetido ao imperialismo, ao positivismo, ao utopismo, ao estoicismo, ao darwinismo, ao racismo, ao freudianismo, ao marxismo, ao spenglerismo. Mas o Orientalismo, como muitas da ciências naturais e sociais, tem ?paradigmas? de pesquisa, suas próprias sociedades eruditas, seu próprio establishiment."


Como representação do Outro, o orientalismo tratou de criar uma imagem do islã. Esta imagem foi construída principalmente em razão do medo, porque depois da "...morte de Maomé em 632, a hegemonia militar e mais tarde cultural e religiosa do islã cresceu enormemente. Primeiro, a Pérsia, a Síria e o Egito, depois a Turquia e mais tarde a África do Norte caíram nas mãos dos exércitos muçulmanos; nos séculos VIII e IX, a Espanha, a Sicília e partes da França foram conquistadas."


Mesmo após a reconquista de vastas áreas ao islã, os europeus preservaram a imagem negativa do islã e dos orientais. Em razão disto, não só "...o Orientalismo é acomodado às exigências do cristianismo ocidental; é também circunscrito por uma série de atitudes e julgamentos que não enviam a mente ocidental em primeiro lugar às fontes orientais para correção e verificação, mas antes a outras obras orientalistas.O palco do orientalista, como venho chamando, torna-se um sistema moral e epistemológico."


Após fazer uma longa referência a campanha napoleônica no Egito, Said esclarece que enquanto "...os historiadores da Renascença julgavam o Oriente inflexivelmente como um inimigo, os do século XVIII confrontavam as peculiaridades do Oriente com algum distanciamento e com uma tentativa de lidar diretamente com a fonte oriental da matéria, talvez porque essa técnica ajudasse o europeu a conhecer melhor." A conhecer e a dominar, pois foi o erudito Silvestre Sacy "...quem traduziu a proclamação aos argelinos..." quando os franceses ocuparam Argel em 1830.


Sacy foi o primeiro grande orientalista. "Seu heroísmo como erudito foi ter enfrentado com sucesso dificuldades insuperáveis; adquiriu os meios de apresentar um campo de estudo a seus estudantes, quando não havia campo nenhum. Ele fez os livros, os preceitos, os exemplos, dizia sobre Sacy o duque Broglie."


Renan continuou a obra de Sacy. Mas ao contrário dele, Renan "...não falava realmente como um homem a todos os homens, mas antes como uma voz especializada e reflexiva que aceitava, como ele disse no prefácio de 1890, a desigualdade das raças e a dominação necessária por uma minoria como uma lei antidemocrática da natureza e da sociedade." Em Renan a superioridade européia e a inferioridade oriental são axiomas indiscutíveis.


Do alto de seu pedestal, Renan não tinha escrúpulos em julgar os semitas (árabes e judeus) degenerados. "Leia-se quase toda página de Renan sobre o árabe, o hebraico, o aramaico ou o proto-semítico, e o que se lê é um fato de poder, pelo qual a autoridade do filólogo orientalista colhe à vontade na biblioteca exemplos do discurso humano e ali os enfileira rodeados por uma suava prosa européia que aponta os defeitos, as virtudes, os barbarismos e as deficiências na linguagem, no povo e na civilização."


Não há dúvidas de que o orientalismo de Renan ajudou a criar e reforçar o mito da superioridade européia. O próprio Said afirma que "...não é exagerado dizer que o laboratório filológico de Renan é o local real de seu etnocentrismo europeu; mas o que precisa ser enfatizado é que o laboratório filológico não existe fora do discurso, a escrita pela qual é constantemente produzido e experimentado."


Nem Karl Marx escapou dos preconceitos orientalistas. Ao analisar a ocupação inglesa da Índia o alemão afirmou que "...não devemos esquecer que essas comunidades de vida idílica, por mais inofensivas que possam parecer, sempre foram o fundamento sólido do despotismo oriental." A referência ao "despotismo oriental" é sugestiva. Para Said as "...análises econômicas de Marx são perfeitamente adequadas a um empreendimento orientalista padrão, ainda que a humanidade de Marx, a sua simpatia pela miséria do povo, esteja claramente envolvida."


Vários escritores orientalistas residiram no Oriente. Este foi o caso de Lane, Flaubert, Vigny, Nerval, Kinglake, Disraeli, Burton, Byron, Scott, Chateaubriand e T.E. Lawrence. Mesmo tendo palmilhado as terras orientais e mantido contato com os povos árabes, nenhum destes autores deixou de criar representações do Oriente. Mas não vou entrar em detalhes para não retirar do leitor o prazer de conhecer como cada representação criada do Oriente foi decomposta, classificada e analisada por Said.


A leitura de ORIENTALISMO nos ajuda compreender como as relações entre o Ocidente e o Oriente foram lentamente moldadas de maneira a permitir uma verdadeira colonização cultural e territorial do Oriente Médio. Para o autor "...a versão do mito criada no século XX tem sido mantida com muito maior dano. Produziu uma imagem do árabe visto por uma sociedade 'adiantada' quase ocidental. Na sua resistência aos colonialistas estrangeiros, o palestino era ou um selvagem estúpido ou uma grandeza negligível, moral e existencialmente." A cada episódio dramático do conflito entre israelenses e palestinos a inferioridade moral dos últimos tem sido reforçada pela imprensa. Os homens bombas são sempre descritos como terroristas. Os pilotos israelenses que despejam bombas e mísseis em alvos civis não são terroristas, são soldados eficientes cumprindo seu dever de retaliar a brutalidade dos terroristas.


Recentemente vimos como a imprensa mundial legitimou as campanhas americanas no Oriente Médio fazendo referências diárias a inferioridade moral dos 'árabes', a estreiteza da 'mente árabe'v ao atraso do 'tribalismo árabe', a violência insuperável 'do islamismo'... Contraposta às virtudes ocidentais (democracia, humanitarismo, etc.) a 'barbárie natural do árabe' continua justificando as maiores atrocidades cometidas desde o Vietnan (bombardeios a civis, tortura e execução de prisioneiros de guerra, degradação do meio ambiente nos territórios ocupados e devastados etc.). Os leitores de Edward W. Said percebem rapidamente que as recentes invasões do Iraque e Afeganistão foram justificadas e, de certa maneira, ocasionadas pelo orientalismo.


Já na década de 1970 o eminente professor afirmava que o "...orientalismo também se espalhou nos Estados Unidos agora que o dinheiro e os recursos árabes tem acrescentado um considerável charme à tradicional 'preocupação' com o Oriente, estrategicamente importante. O fato é que o Orientalismo tem se acomodado com sucesso ao novo imperialismo, no qual os seus paradigmas regentes nem contestam, e até confirmam, o persistente desígnio imperial de dominar a Ásia."


Ao invés aceitar pacificamente as imagens orientalistas e as guerras causadas e justificadas pelo orientalismo o livro sugere que devemos conhecer melhor a nós mesmos como ocidentais. O grego Sócrates, considerado o fundador da filosofia ocidental dizia sempre 'conhece-te a ti mesmo'. Curiosa e ironicamente não foram os intelectuais europeus e anglo-americanos modernos que permitiram ao Ocidente conhecer-se.

FONTE: http://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/orientalismo-resenha-do-livro-de-edward-w-said 

Darwinismo Social

O domínio da África e da Ásia, exercido pelos países industrializados, teve duas principais formas: 1ª) a dominação política e econômica direta (os próprios europeus governavam); 2ª) a dominação política e econômica indireta (as elites nativas governavam). Mas como as potências imperialistas legitimaram o domínio, a conquista, a submissão e a exploração de dois continentes inteiros?
A principal hipótese para a legitimação do domínio imperialista europeu sobre a África e a Ásia foi a utilização ideológica de teorias raciais europeias provenientes do século XIX. As que mais se destacaram foram o evolucionismo social e o darwinismo social.
Um dos discursos ideológicos que “legitimariam” o processo de domínio e exploração dos europeus sobre asiáticos e africanos seria o evolucionismo social. Tal teoria classificava as sociedades em três etapas evolutivas: 1ª) bárbara; 2ª) primitiva; 3ª) civilizada. Os europeus se consideravam integrantes da 3ª etapa (civilizada) e classificavam os asiáticos como primitivos e os africanos como bárbaros. Portanto, restaria ao colonizador europeu a “missão civilizatória”, através da qual asiáticos e africanos tinham de ser dominados. Sendo assim, estariam estes assimilando a cultura europeia, podendo ascender nas etapas de evolução da sociedade e alcançar o estágio de civilizados.
O domínio colonial, a conquista e a submissão de continentes inteiros foram legal e moralmente aceitos. Desse modo, os europeus tinham o dever de fazer tais sociedades evoluírem.
darwinismo social se caracterizou como outra teoria que legitimou o discurso ideológico europeu para dominar outros continentes. O darwinismo social compactuava com a ideia de que a teoria da evolução das espécies (Darwin) poderia ser aplicada à sociedade. Tal teoria difundia o propósito de que na luta pela vida somente as nações e as raças mais fortes e capazes sobreviveriam.
A partir de então, os europeus difundiram a ideia de que o imperialismo, ou neocolonialismo, seria uma missão civilizatória de uma raça superior branca europeia que levaria a civilização (tecnologia, formas de governo, religião cristã, ciência) para outros lugares. Segundo o discurso ideológico dessas teorias raciais, o europeu era o modelo ideal/ padrão de sociedade, no qual as outras sociedades deveriam se espelhar. Para a África e a Ásia conseguirem evoluir suas sociedades para a etapa civilizatória, seria imprescindível ter o contato com a civilização europeia.
Hoje sabemos que o evolucionismo social e o darwinismo social não possuem nenhum embasamento ou legitimidade científica, mas no contexto histórico do século XIX foram ativamente utilizados para legitimar o imperialismo, ou seja, a submissão, o domínio e a exploração de continentes inteiros.
fonte: http://www.mundoeducacao.com/historiageral/darwinismo-social-imperialismo-no-seculo-xix.htm 





Com o passar do tempo, observamos que as noções trabalhadas por Darwin acabaram não se restringindo ao campo das ciências biológicas. Pensadores sociais começaram a transferir os conceitos de evolução e adaptação para a compreensão das civilizações e demais práticas sociais. A partir de então o chamado “darwinismo social” nasceu desenvolvendo a ideia de que algumas sociedades e civilizações eram dotadas de valores que as colocavam em condição superior às demais.

Na prática, essa afirmativa acaba sugerindo que a cultura e a tecnologia dos europeus eram provas vivas de que seus integrantes ocupavam o topo da civilização e da evolução humana. Em contrapartida, povos de outras regiões (como África e Ásia) não compartilhavam das mesmas capacidades e, por tal razão, estariam em uma situação inferior ou mais próxima das sociedades primitivas.

A divulgação dessas teorias serviu como base de sustentação para que as grandes potências capitalistas promovessem o neocolonialismo no espaço afro-asiático. Em suma, a ocupação desses lugares era colocada como uma benfeitoria, uma oportunidade de tirar aquelas sociedades de seu estado “primitivo”. Por outro, observamos que o darwinismo social acabou inspirando os movimentos nacionalistas, que elaboravam toda uma justificativa capaz de conferir a superioridade de um povo ou nação.

De fato, o darwinismo social criou métodos de compreensão da cultura impregnados de equívocos e preconceitos. Na verdade, ao falar de evolução, Darwin não trabalhava com uma teoria vinculada ao choque binário entre superioridade e inferioridade. Sendo uma experiência dinâmica, a evolução darwiniana acreditava que as características que determinavam a “superioridade” de uma espécie poderiam não ter serventia alguma em outros ambientes prováveis.

Com isso, podemos concluir que as sociedades africanas e asiáticas nunca precisaram necessariamente dos valores e invenções oferecidas pelo mundo ocidental. Isso, claro, não significa dizer que o contato entre essas culturas fora desastroso ou marcado apenas por desdobramentos negativos. Entretanto, as imposições da Europa “superior” a esses povos “inferiores” acabaram trilhando uma série de graves problemas de ordem, política, social e econômica.

fonte: http://www.brasilescola.com/historiag/darwinismo-social.htm

UMA HISTORIA DE AMOR E FURIA


O Xadrez das Cores (completo)


A História do Racismo e do Escravismo (BBC)


Vênus Negra - Legendado