O anúncio de que o governo do Equador
concedeu asilo político a Julian Assange causou uma reação intempestiva do
governo britânico, que vem ameaçando inclusive invadir a representação
diplomática equatoriana em Londres para prender Assange e depois extraditá-lo
para a Suécia, provavelmente primeiro estágio antes de seu destino final, que
seria algum cárcere norte-americano.
A ameaça britânica, pelo menos como
divulgada pela imprensa, é um fato realmente grave que compromete o tradicional
conceito de inviolabilidade das missões diplomáticas, garantido pela Convenção
de Viena, e o direito ao asilo territorial, consagrado pela prática diplomática
latino-americana e geralmente respeitado por vários outros países.
É verdade que Julian Assange, com a
divulgação de muitos segredos de Estado e indiscrições diplomáticas revelados por
meio do WikiLeaks, incomodou muitos governos e muita gente, sobretudo o governo
norte-americano. Os Estados Unidos, não é de hoje, estão loucos para agarrar
Assange e, se possível, condená-lo à morte ou à prisão perpétua.
Sua extradição para a Suécia poderia ser
um passo importante para que os Estados Unidos lograssem alcançar a sua meta e
foi justamente por essa razão que Assange buscou asilo na embaixada do Equador
em Londres. Vale lembrar que nos Estados Unidos as acusações contra Assange são
secretas, o que gera uma situação de verdadeira impotência da defesa de Assange
diante das garras do Estado.
Parece surreal mas o que pode acontecer é
que a democracia britânica talvez faça o que nem a mais terrível das ditaduras
latino-americanas ousou fazer durante o tenebroso período militar, ou seja, violar
o espaço de uma missão diplomática e prender um asilado político.
Curioso é que durante o golpe militar no
Chile, em 1973, cerca de cinco mil pessoas foram beneficiadas pelo direito de
asilo e salvaram-se ao se abrigarem em representações diplomáticas em Santiago,
capital do país. Aliás, as embaixadas europeias estavam entre as mais buscadas
pelos militantes políticos em apuros. Naquela ocasião, nem a então Junta
Militar e, depois, nem o presidente general Augusto Pinochet, impediram a saída
dos asilados políticos do país. O mesmo ocorreu no Brasil, na Argentina, no
Uruguai, enfim, em todos os países que caíram sob regimes ditatoriais.
Já a democracia britânica do século XXI
acha normal que uma pessoa seja perseguida porque divulgou “segredos militares”
e confidências diplomáticas dos Estados Unidos. Aliás, os segredos militares
divulgados pelo WikiLeaks apenas mostram a brutal realidade da guerra e da ação
dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão. Enfim,
apenas comprovam o que muita gente sabia mas não tinha como provar.
É preciso uma reação ao desatino das
autoridades britânicas. Como bem disse o chanceler equatoriano, Ricardo Patiño,
o seu país não é uma colônia britânica. Os países latino-americanos, por sua tradição
jurídica em termos de reconhecimento do direito de asilo, deveriam se
pronunciar oficialmente sobre essa questão e mostrar como os “civilizados”
europeus estão se comportando ao desrespeitarem inclusive os direitos humanos.
Autor: Pio Penna Filho
*Professor do Instituto de
Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do
CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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