Pio
Penna Filho*
O Oriente Médio continua sendo um barril
de pólvora altamente explosivo. Um dos expoentes da tão falada “primavera
árabe”, o Egito, um dos mais importantes países da região, vive no fio da
navalha. A situação política se deteriorou tanto que a violência irrompeu de
forma avassaladora durante essa semana.
Por enquanto, a contabilidade dos últimos
confrontos na cidade do Cairo registra mais de 500 mortos e milhares de feridos
após violenta repressão das forças militares contra os apoiadores do presidente
deposto, Mohammed Mursi. Os militares egípcios, pode-se dizer, perderam o
juízo. Ou, então, estão muito confiantes com o apoio externo que ainda, de
certa foram, conseguem manter.
É interessante notar que o golpe de
Estado recentemente dado pelos militares foi tolerado de forma não usual pela
comunidade internacional, sobretudo pelos Estados Unidos. Internamente, o novo
regime utilizou o argumento da ordem e do governo liberal para manter alguma
legitimidade. Alguns políticos de renome internacional, como o Prêmio Nobel da
Paz Mohamed El Baradei, chegaram inclusive a se aventurar no novo governo.
Baradei foi uma das primeiras baixas
pós-massacre. Infelizmente para sua reputação, saiu tarde demais. Poderia ter
mantido sua biografia sem o custo de tantas mortes nas costas, aliás, assim
como alguns governos estrangeiros que apostaram na “solução” militar para
conter a Irmandade Muçulmana.
Um dos pontos emblemáticos do que está
acontecendo no Egito é justamente o desrespeito à Constituição do país e à
própria e incipiente democracia egípcia. Mohammed Mursi foi democraticamente
eleito e os opositores ao seu governo e à Irmandade Muçulmana não tiveram a
paciência necessária para esperar o final do mandato e a decisão das urnas do
próximo pleito eleitoral. Os militares e seus associados aprisionaram
ilegalmente o presidente e o mantem encarcerado até hoje, sem acusações que
façam algum sentido.
É preciso considerar que os militantes e
simpatizantes do presidente Mursi conformam uma parcela importante da sociedade
egípcia. Seu protesto é legítimo, afinal de contas ilegítima foi a ação que
levou à deposição do presidente. Estavam exercendo um dos principais e mais
elementares pilares da cidadania, que é o direito à livre manifestação. Não
pode a comunidade internacional ficar apática diante de tal abuso e seguir a
retórica vazia dos norte-americanos, que sequer reconhecem como golpe de Estado
o que aconteceu no país e continuam enviando ajuda bilionária para os
militares.
Os cenários de curto e médio prazos para
o Egito não são muito alvissareiros. Por um lado, é muito difícil imaginar uma
saída que contemple o retorno ao poder do presidente Mohammed Mursi e a
normalização institucional do país; por outro, com a democracia fragilizada e
as características políticas regionais, associadas à ambiguidade norte-americana
em sua relação com os militares egípcios, é também difícil imaginar uma solução
razoável num curto período de tempo.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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