Pio
Penna Filho*
Os países que estiveram na linha de
frente da chamada “Primavera Árabe” (Egito, Líbia e Tunísia), ocorrida no
início de 2011, estão agora atravessando um verdadeiro “Outono Árabe”, com
sérios problemas políticos que beiram o estado de guerra civil.
Embora pouco se fale da Líbia pós Muammar
Kadaffi, o país está longe de ter migrado de um regime despótico para uma
democracia ao estilo ocidental. Não há consenso político, seja em torno de uma
liderança, seja de um movimento, que promova a união dos líbios. Ademais, o
Estado vive à mercê de grupos armados que ostentam abertamente o seu poder de
fogo para fazer valer as mais variadas pretensões políticas. Por enquanto, manda
quem tem mais força e apoio das potências europeias que, diga-se de passagem,
estão aproveitando muito bem a ocasião para explorar o petróleo do país.
O Egito está constantemente nas manchetes
dos jornais do mundo inteiro e o governo do presidente Mohamed Mursi, que
queria virar faraó, vem sendo mantido sob intensa pressão por parte expressiva
da população egípcia que não se desmobilizou com a queda do ex-ditador Hosni
Mubarak. Aliás, os militares do país chegaram a ameaçar intervir na vida
política caso os desentendimentos entre a oposição e governo (Irmandade Muçulmana)
persistam e se disseminem a ponto de levar a uma ruptura social e a guerra
civil ao país.
Agora parece ter chegado a vez da Tunísia,
que até bem pouco tempo atrás era usada como exemplo de estabilidade pelos
adeptos da tese de que a “Primavera Árabe” iria levar a democracia e as
instituições liberais do chamado “Ocidente” para o mundo árabe. Simples assim.
O assassinato do líder oposicionista
Chukri Bel Aid foi uma espécie de gota d’água que reacendeu os ânimos dos
manifestantes, levando-os de volta aos violentos protestos em Túnis, que
passaram a polarizar islamistas e secularistas. Por ora, é impossível prever o
que irá acontecer com o país.
As coisas não estão saindo exatamente
como esperado pelos otimistas defensores da exportação da democracia para o
mundo árabe, que para eles teria o poder de resolver todos os problemas e
dramas que afligem as populações que professam o Islã ou que vivem em países de
maioria muçulmana.
Uma parcela importante da população que
vive sob a égide do Islã não faz e não quer fazer a separação entre política e
religião, como ocorreu nos países europeus e naqueles que nasceram sob
inspiração da filosofia política da Europa da Idade Moderna. Muitas pessoas
simplesmente não veem vantagens em aderir de peito aberto a um tipo de
sociedade que preza o consumo e o individualismo acima de tudo. Assim, estamos
diante de mundos que prezam valores que se diferem profundamente.
No fundo, o Ocidente (leia-se Europa e
Estados Unidos) não compreende o mundo árabe, ou melhor, o mundo muçulmano.
Mas, pior do que isso, acha-se superior em tudo, no estilo de vida, no modelo
político e nos valores morais que fundamentam as sua sociedades.
No caso dos árabes, eles certamente um
dia terão a sua “Primavera” consagrada. Mas,
aparentemente, isso só será possível quando o “Ocidente” intervir menos e
respeitar mais o direito à autodeterminação dos outros, seja dos árabes, dos
africanos, dos latino-americanos, dos asiáticos, enfim, de todos os
não-Ocidentais.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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