Pio
Penna Filho*
Os norte-coreanos estão prestes a reviver
um dos seus piores pesadelos dos anos 1990, qual seja: uma nova crise
alimentar. O belicoso regime da dinastia dos Kim não consegue nem produzir e
nem tampouco comprar alimentos para abastecer a população do país, já por
demais sofrida com a quase absoluta falta de liberdade.
No Brasil pouca gente sabe, mas na
segunda metade da década de 1990 a escassez generalizada atingiu de forma
mortal aproximadamente um milhão de pessoas (as estatísticas variam muito, indo
de seiscentos mil a dois milhões e meio de mortos) Essa gente morreu lentamente,
em decorrência da fome, que chegou de forma gradativa.
Relatos dos sobreviventes que conseguiram
fugir do país em direção à China e à Coreia do Sul traçam um quadro dramático,
no qual as pessoas iam definhando e se transformando em cadáveres vivos, até
sucumbirem por inanição. Literalmente, não havia o que comer em várias partes
do país, principalmente nas cidades do interior.
A grande fome dos anos 1990 veio na
sequência da crise do socialismo, com a extinção da União Soviética e as
mudanças no regime chinês, que até então, junto com o desbaratamento dos demais
países do bloco socialista, deixou a Coreia do Norte órfã e praticamente
isolada do resto do mundo (assim como aconteceu, parcialmente, com Cuba).
O colapso econômico e a disposição
belicosa do governo levou a uma crise interna profunda. O desemprego explodiu e
a economia do país retrocedeu. Os parcos recursos do Estado foram empregados
para manter os privilégios da alta cúpula do Partido dos Trabalhadores, a
máquina militar em funcionamento e o estrito controle da sociedade.
O país entrou num ritmo totalmente
descompassado com a modernidade e caminhou em direção ao passado. A maior parte
das fábricas foram fechadas e a Coreia do Norte escureceu. Quando se observa
uma foto de satélite tirada a noite nota-se, assombrosamente,
o contraste da escuridão do país com o brilho de vizinhos imponentes, como a
Coreia do Sul, o Japão e a China.
As perspectivas atuais não são nada boas
para o povo norte-coreano. Aparentemente passou o temor de uma guerra, mas o
espectro da fome está presente, talvez tanto quanto na década de 1990.
Portanto, mais uma catástrofe humanitária à vista.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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