segunda-feira, 22 de abril de 2013

Outono Árabe


Pio Penna Filho*

Os países que estiveram na linha de frente da chamada “Primavera Árabe” (Egito, Líbia e Tunísia), ocorrida no início de 2011, estão agora atravessando um verdadeiro “Outono Árabe”, com sérios problemas políticos que beiram o estado de guerra civil.
Embora pouco se fale da Líbia pós Muammar Kadaffi, o país está longe de ter migrado de um regime despótico para uma democracia ao estilo ocidental. Não há consenso político, seja em torno de uma liderança, seja de um movimento, que promova a união dos líbios. Ademais, o Estado vive à mercê de grupos armados que ostentam abertamente o seu poder de fogo para fazer valer as mais variadas pretensões políticas. Por enquanto, manda quem tem mais força e apoio das potências europeias que, diga-se de passagem, estão aproveitando muito bem a ocasião para explorar o petróleo do país.
O Egito está constantemente nas manchetes dos jornais do mundo inteiro e o governo do presidente Mohamed Mursi, que queria virar faraó, vem sendo mantido sob intensa pressão por parte expressiva da população egípcia que não se desmobilizou com a queda do ex-ditador Hosni Mubarak. Aliás, os militares do país chegaram a ameaçar intervir na vida política caso os desentendimentos entre a oposição e governo (Irmandade Muçulmana) persistam e se disseminem a ponto de levar a uma ruptura social e a guerra civil ao país.
Agora parece ter chegado a vez da Tunísia, que até bem pouco tempo atrás era usada como exemplo de estabilidade pelos adeptos da tese de que a “Primavera Árabe” iria levar a democracia e as instituições liberais do chamado “Ocidente” para o mundo árabe. Simples assim.
O assassinato do líder oposicionista Chukri Bel Aid foi uma espécie de gota d’água que reacendeu os ânimos dos manifestantes, levando-os de volta aos violentos protestos em Túnis, que passaram a polarizar islamistas e secularistas. Por ora, é impossível prever o que irá acontecer com o país.
As coisas não estão saindo exatamente como esperado pelos otimistas defensores da exportação da democracia para o mundo árabe, que para eles teria o poder de resolver todos os problemas e dramas que afligem as populações que professam o Islã ou que vivem em países de maioria muçulmana.
Uma parcela importante da população que vive sob a égide do Islã não faz e não quer fazer a separação entre política e religião, como ocorreu nos países europeus e naqueles que nasceram sob inspiração da filosofia política da Europa da Idade Moderna. Muitas pessoas simplesmente não veem vantagens em aderir de peito aberto a um tipo de sociedade que preza o consumo e o individualismo acima de tudo. Assim, estamos diante de mundos que prezam valores que se diferem profundamente.
No fundo, o Ocidente (leia-se Europa e Estados Unidos) não compreende o mundo árabe, ou melhor, o mundo muçulmano. Mas, pior do que isso, acha-se superior em tudo, no estilo de vida, no modelo político e nos valores morais que fundamentam as sua sociedades.
No caso dos árabes, eles certamente um dia terão a sua “Primavera” consagrada. Mas, aparentemente, isso só será possível quando o “Ocidente” intervir menos e respeitar mais o direito à autodeterminação dos outros, seja dos árabes, dos africanos, dos latino-americanos, dos asiáticos, enfim, de todos os não-Ocidentais.




* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

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