Pio
Penna Filho*
Duas das democracias mais consolidadas do
mundo vem abusando insistentemente da espionagem indiscriminada em nome da
guerra ao terror. Aproveitando-se do fato de que vivemos numa sociedade da
informação e do alto grau de conectividade digital dos tempos atuais, Estados
Unidos e Inglaterra uniram esforços para construir uma vasta rede de espionagem
contra pessoas espalhadas pelo mundo.
Causa espanto o fato de que as denúncias
contra tal estado de coisas tenham sido, pelo menos até o presente momento,
muito tímidas. Poucos governos até agora protestaram contra essa prática que
nos lembra a ação de uma espécie de “big brother” e que até pouco tempo atrás
era imediatamente associado a estados totalitários.
Não fosse a ação da organização WikiLeaks
e de um ou outro funcionário do governo norte-americano suficientemente
consciente e corajoso para tornar público a invasão do privado pelas práticas
autoritárias dos democratas dos Estados Unidos e da Inglaterra, dificilmente
teríamos consciência da extensão da espionagem dos governos desses países.
Tradicionalmente, e com exceção de
governos ditatoriais, a espionagem costumava ter endereço certo, ou seja, era
dirigida contra determinados governos e organizações consideradas
potencialmente perigosas para os interesses deste ou daquele Estado. Não é mais
o que se vê. Agora, somos todos suspeitos.
Nossas mensagens de e-mail e conversas
telefônicas estão sendo submetidas ao crivo dos agentes/espiões dos Estados
Unidos e da Inglaterra, sem o menor pudor. Sociedades espalhadas pelo mundo
encontram-se sob vigilância indiscriminada e esses Estados coletam informações
permanentemente, sejam elas relacionadas exclusivamente à nossa vida privada,
sejam elas associadas a posições políticas.
Algo está muito errado e é preciso
reagir. É bom lembrar que o dedo acusatório dessas duas grandes potências até
bem pouco tempo atrás era dirigido contra regimes autoritários que agiam da
mesma forma.
Esse tipo de prática não costuma terminar
bem. A história nos mostra que governos que tentam
controlar as suas sociedades enveredam por caminhos sinuosos e, acima de tudo,
contrários à prática da boa democracia. De boas intenções, o inferno está
cheio, como diz um sábio ditado popular.
Ou reagimos ou sucumbiremos. Não se trata
de ficar apenas à espera da reação das sociedades dos dois países espiões. Eles
não estão vigiando apenas os seus cidadãos, o que já seria um absurdo. Os seus
tentáculos espalharam-se pelo mundo sem fronteiras da sociedade em rede. É
preciso dar um basta nisso enquanto ainda é tempo.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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