Pio
Penna Filho*
A instabilidade política no Egito levou à
deposição do presidente Mursi, que sofreu um duro golpe militar. O curioso
desse episódio é que o golpe foi relativamente bem aceito pelos países
ocidentais, sobretudo pelos Estados Unidos, que afinal são os paladinos da
democracia. Em tese, portanto, os Estados Unidos teriam a obrigação de condenar
veementemente a atitude dos militares egípcios.
Todavia, não foi o que aconteceu. O
governo norte-americano evita, inclusive, usar o termo “golpe militar” para se
referir ao que ocorreu no Egito. É uma contradição e tanto e isso só faz minar
a crença no discurso em torno da democracia que vários países ocidentais
sustentam.
Alguns princípios democráticos não podem
ser relativizados, dependendo das conveniências de quem os defende. Ou se é
democrático, ou não se é democrático. Mohamed Mursi foi eleito democraticamente,
ou seja, a maior parte dos eleitores egípcios depositaram nele o seu voto de
esperança de acordo com a nova realidade do país após a turbulenta deposição do
ex-ditador Hosni Mubarak, ex-aliado dos Estados Unidos.
Mursi mal havia completado um ano de
governo quando os militares aproveitaram os protestos para o derrubarem do
poder. Se essa fosse, ou se tornar, uma prática geral, é de se imaginar quantos
governos não seriam ou serão depostos antes de completarem o seus mandatos. Insatisfações
populares com governantes sempre existem e fazem parte da boa prática
democrática, como estamos vendo ocorrer no Brasil atualmente.
A questão central é que a Constituição
egípcia não foi respeitada e por mais que se discorde da perspectiva política
do presidente Mursi e da Irmandade Muçulmana, à qual está vinculado, isso não é
motivo para sua deposição. A partir do momento em que os Estados Unidos como
que “validam” essa quebra do princípio democrático de acordo com a sua
conveniência, abre-se espaço para colocar em dúvida um dos principais pilares
do seu discurso em termos políticos e éticos.
Aliás, é sempre bom lembrar que a relação
entre os Estados Unidos e os militares egípcios é antiga e assentada em bases
muito pragmáticas. Há tempos os norte-americanos concedem uma vultosa
assistência militar e financeira para o Egito, que eventualmente é complementada
com recursos provenientes de países aliados do Oriente Próximo, como a Arábia
Saudita, o Kuait e o Catar. Em meio a toda essa crise, registre-se a entrega de
modernos aviões de caça F-16 ao regime, mesmo após o golpe.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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