quinta-feira, 8 de novembro de 2012
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
terça-feira, 16 de outubro de 2012
Política Nacional de Fronteiras
Pio
Penna Filho*
O Brasil é detentor de uma vasta e
diversificada área de fronteira (apenas as fronteiras terrestres tem pouco mais
de 15.700 km de extensão!), mas ainda não possui uma política nacional que dê
conta dos complexos problemas que envolvem essas áreas. É imprescindível que o
governo federal, associado aos governos estaduais e municipais diretamente
vinculados a essas regiões, tome a importante atitude de elaborar uma política
específica e efetiva para as nossas fronteiras.
Estados fronteiriços como Mato Grosso
deveriam ter todo o interesse em provocar o governo federal a rever a
perspectiva central com relação às zonas de fronteira. É certo que as questões
relacionadas com as fronteiras não afetam apenas os Estados que estão na linha
de frente, todavia, eles geralmente costumam ser os primeiros a sentir os
problemas derivados dessa característica peculiar.
É por eles que entram e saem as drogas, o
contrabando, os fluxos migratórios (legais e ilegais) e toda sorte de ilícitos
praticados entre dois ou mais Estados. Naturalmente, parte desses ilícitos
costuma ficar nos Estados fronteiriços, que não são apenas corredores que levam
aos grandes centros mais distantes, principalmente aqueles localizados no
sudeste do país.
É de se notar também que a visão da
capital federal com relação às nossas fronteiras não necessariamente
corresponde à complexa realidade vivenciada pelos Estados, municípios e pessoas
que vivenciam o cotidiano dessas áreas. Brasília, por exemplo, tende a ver a
fronteira muito a partir da perspectiva da segurança e desconhece várias das
necessidades e precariedades que envolvem o dia a dia da vida nessas regiões
“esquecidas”.
Segundo essa visão, a presença do
Exército e de alguns poucos postos da Polícia Federal estariam de bom tamanho,
como se ambos fossem capazes de prover as necessidades dessas regiões e do país.
Além disso, quando muito, temos um posto da Anvisa aqui e um da Receita Federal
acolá. E nada mais.
Aliás, as próprias instituições do Estado
federal que lidam com os temas fronteiriços costumam
ignorar-se mutuamente, sendo portanto muito baixo o grau de interação e
cooperação entre elas. Isso só faz agravar mais o problema. Há ainda o fato de
que os Estados e municípios raramente são convocados a participar do debate,
justamente eles que mais conhecem a realidade das zonas de fronteira.
À parte algumas áreas fronteiriças do sul
do país, historicamente mais integradas com os países vizinhos, como se
verifica principalmente no Estado do Rio Grande do Sul, as nossas fronteiras
vão ficando cada vez menos habitadas à medida que seguimos em direção ao norte,
sobretudo a partir do Estado de Mato Grosso, até chegarmos ao ponto realmente
crítico das fronteiras amazônicas.
É imperativo que o governo federal
encontre uma forma de melhor integrar essas regiões tão importantes para o país
com as outras “partes” do Brasil. Para isso, torna-se crucial a melhor
compreensão dos seus problemas e de como se veem e veem o Brasil aqueles que nelas
vivem. Enfim, é preciso levar, além de desenvolvimento e integração, também a
cidadania para as nossas fronteiras.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
domingo, 7 de outubro de 2012
Perspectivas da Crise na Europa
Pio
Penna Filho*
A
crise continua forte na Europa, sobretudo em alguns países que estão sentindo
de forma mais severa os seus efeitos. Dentre eles se destacam Espanha, Portugal
e Grécia, embora não sejam os únicos. Essa crise, segundo os especialistas,
ainda levará tempo para ser superada e os seus reflexos se prolongarão ainda
por vários anos.
Algumas
manchetes, coletadas de forma aleatória em jornais, nos dão a dimensão severa
da crise e seu impacto social: “Mais de 500 famílias são despejadas por dia na
Espanha”, “Grécia corre contra o tempo e busca aprovação de pacote”, “Portugal
sobe imposto de renda em 30% para cumprir metas de resgate” e “Maior sindicato
de Portugal convoca nova greve geral”, são alguns exemplos.
Acostumados
a um padrão de vida elevado, os europeus estão agora sentindo na pele o que é
viver com restrições. Aumentou o desemprego, a renda diminuiu, os preços e os
impostos subiram. Ou seja, a pobreza voltou e está presente após um ciclo de
prosperidade no velho continente.
As
implicações sociais da crise são grandes e já se fazem sentir na Europa e
alhures. Aqui no Brasil já percebemos o aumento do fluxo
de cidadãos europeus em busca de trabalho e melhores condições de vida. Quem
diria! Dez anos atrás eram os brasileiros que buscavam melhores condições na
Europa.
Certamente
a crise trará mais novidades políticas em vários países europeus. O próprio
processo de integração vem passando por sérios questionamentos por parte de
vários setores sociais europeus. Parece que há um quase consenso em apontar a
adoção da moeda única, o euro, como um dos principais vilões da crise. Mas isso
é pouco. O euro certamente teve e tem o seu papel na crise, mas por si só não a
explica totalmente.
Dentre
os possíveis cenários no médio e longo prazo, podemos vislumbrar a diminuição
da interdependência econômico-comercial das economias europeias. A economia
alemã, a mais dinâmica da Europa, caminha a passos largos para se conectar cada
vez mais com a China e com outros mercados fora da Europa. Certamente, isso
provocará impactos na ideia de um espaço econômico comunitário no âmbito
continental.
A
fase atual é muito mais de fragmentação. Estamos assistindo a um processo que
está comprometendo a união entre os países europeus e também a unidade política
de alguns desses países, sendo que esse fenômeno é especialmente forte na
Espanha. Muitos já não acreditam mais na Europa como unidade política e veem
justamente na União Europeia a principal fonte do seus problemas.
A
diminuição e mesmo a retração no processo de integração da Europa é um exemplo
do dinamismo da história. O que parecia consolidado há poucos anos atrás e que
era exemplo e inspiração de integração para vários outros blocos regionais está
se mostrando, aparentemente, um castelo de cartas.
Mas
o resultado final, de todo modo, só o tempo dirá. Os europeus tanto podem
retomar a integração, num novo patamar, quanto enfrentarem uma gradativa e
forte retração na ideia comunitária. O fato é que atualmente a principal
tendência é justamente essa última.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Trinta Mil Mortos
Pio
Penna Filho*
A
Síria está em guerra e a contagem dos mortos, mesmo que imprecisa, já atinge um
número considerável: trinta mil em um ano e meio. Não é pouca coisa. Um dado
complementar importante é que, como quase sempre, os civis são os mais
atingidos e perfazem a maior parte dos mortos, isso sem contar o intenso fluxo
de refugiados que não para de crescer.
Assusta-nos
a incapacidade das Nações Unidas para encontrar uma solução para a guerra. Até
agora, não passamos de vagas declarações de apoio à “paz” e do veto no Conselho
de Segurança a qualquer possibilidade de intervenção oficial. Ou seja, a
comunidade internacional está imobilizada.
Porém,
o paradoxo maior é que a guerra civil síria já está internacionalizada há muito
tempo. Não se trata, portanto, de um conflito estritamente interno. Veja-se,
por exemplo, que a liderança militar do chamado Exército Livre da Síria operava
a partir da Turquia, naturalmente com o conhecimento e anuência das autoridades
turcas.
O
Irã é outro país diretamente envolvido e que não esconde sua opção pelo governo
de Bashar Al Assad. Oficialmente, admite a intervenção por meio da presença de
instrutores militares iranianos em solo sírio. Ainda apoiando a Síria temos o
governo russo, que possui interesses no país e patrocinou o veto no Conselho de
Segurança contra qualquer intervenção direta no país.
Os
insurgentes, por sua vez, também não estão sozinhos. Seria impossível manter
uma resistência armada tão prolongada sem contar com apoio externo, ainda mais
contra um governo que dispõe de recursos e não economiza na violência e na
repressão interna.
Eles
estão recebendo armas, munições, treinamento, suprimentos e voluntários que
para a Síria se dirigem provenientes de vários países, especialmente do mundo
árabe. Existem sérias suspeitas que alguns governos ocidentais vem mantendo
contatos secretos há vários meses com os insurgentes.
Fica
evidente, pois, que a guerra já está internacionalizada. Somente as
organizações internacionais e regionais não assumem maiores responsabilidades
porque possuem impedimentos legais, além da falta de vontade política para
incrementar a pressão por mudanças.
Todavia,
como bem lembrou um civil sírio ao reclamar da indiferença internacional para
com a sorte dos seus concidadãos, os Estados Unidos, como hiperpotência, quando
desejam não costumam pedir autorização a ninguém para fazer a guerra, mesmo que
seja criar uma guerra para acabar com outra.
E,
por último, existem aqueles países que assistem quase indiferentes ao que está
acontecendo na Síria, como é o caso do Brasil. Assim, para o governo brasileiro
não existe solução militar para a guerra. A saída é o dialogo, pensa a nossa
chancelaria, como se isso fosse possível com o governo Assad.
Triste
período que vive a Síria e o seu povo. Os últimos anos da tirania de Assad
serão lembrados pela história como um momento de muita dor e sofrimento.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Intolerâncias
Pio
Penna Filho*
Essa semana assistimos novas
manifestações violentas resultantes da intolerância religiosa. Muitos
muçulmanos se sentiram ofendidos pelo que consideraram um grande desrespeito
para com o Profeta Mohammed após tomarem conhecimento de um filme produzido nos
Estados Unidos e desencadearam violentos protestos em alguns países do Oriente
Próximo e Norte da África.
O filme, disponível no youtube e acessado
milhares de vezes, possui um claro viés desrespeitoso para com o Profeta, além
de uma mediocridade aviltante. Não se trata de um caso isolado, haja vista que
manifestações como essa, que buscam ridicularizar personalidades carismáticas
ou símbolos representativos da fé de muitas pessoas tem se repetido inúmeras
vezes.
Vale lembrar os episódios verificados no
Iraque e, mais recentemente, no Afeganistão, nos quais militares
norte-americanos vilipendiaram cadáveres de muçulmanos e queimaram exemplares
do Corão.
Houve também episódios na Europa, sendo
os mais conhecidos a publicação de cartoons sobre o Profeta na Dinamarca, a
produção de um filme considerado depreciativo também sobre o Profeto na Holanda
e, mais recentemente, a intolerância cultural e religiosa dirigida aos
muçulmanos na França que foram proibidos de usar a burca em escolas públicas.
Isso sem contar os repetidos atos de vandalismo e profanação geralmente
praticados contra alvos judaicos.
Outro tipo de intolerância que tem
ocorrido com certa frequência se dá no âmbito mesmo do mundo muçulmano. Não tem
sido incomum atos extremamente violentos dirigidos contra grupos muçulmanos de
correntes divergentes, como as agressões entre xiitas e sunitas, por exemplo.
O fato é que assistimos ultimamente ao
aumento da intolerância religiosa e geralmente envolvendo, com mais frequência,
o mundo muçulmano. É algo realmente preocupante porque a intolerância religiosa
quase sempre vem acompanhada de diferenças políticas, que tendem a
potencializar ainda mais a violência.
Não é absurdo afirmar que parte
substancial dessa intolerância parte do chamado ocidente cristão contra os
adeptos do islamismo. Não se tem notícia de que grupos muçulmanos vilipendiam
ou agridam, por exemplo, templos ou símbolos do cristianismo. Aliás, os
muçulmanos, desde a época do Profeta, reconhecem e respeitam a religião cristã.
O problema, portanto, é que a chamada
civilização ocidental, por arrogância e prepotência, mais do que por
incompreensão e ignorância, não tem respeitado a crença e a fé dos muçulmanos.
Há quase um abismo entre os mundos cristão e muçulmano, que via de regra
tiveram tensas relações desde o surgimento do Islã.
Ou o ocidente passa a respeitar os
muçulmanos, reconhecendo a sua fé, valores e costumes, ou o convívio entre
esses povos continuará a ser conflituoso e violento. É imperioso que busquemos
mais diálogo e compreensão, e isso também é dever da comunidade internacional.
A Organização da Nações Unidas deveria ter uma atitude mais ativa para fomentar
esse diálogo.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
terça-feira, 25 de setembro de 2012
terça-feira, 18 de setembro de 2012
domingo, 16 de setembro de 2012
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
RESUMO DO LIVRO “SAGARANA” - GUIMARÃES ROSA
ELABORADO PELO PROF. PAULO PIMENTEL
Escrita em 1937, a obra "Sagarana"
foi submetida a um concurso literário (Prêmio Graça Aranha, da Editora José
Olympio) em que ficou em segundo lugar. O autor usou o pseudônimo de Viator,
que, em latim, significa "viandante". A obra trazia quinhentas
páginas. Com o tempo, foi reduzida para cerca de trezentas e publicada em 1946.
O
título é um hibridismo (união de dois radicais de línguas distintas):
"saga", de origem germânica, significa "canto heróico"; e
"rana", de origem indígena, quer dizer "à maneira de" ou
"espécie de".
As
estórias desembocam sempre numa alegoria, e o desenrolar dos fatos prende-se a
um sentido ou "moral", à maneira das fábulas. As epígrafes, que
encabeçam cada conto, condensam sugestivamente a narrativa e são tomadas da
tradição mineira, dos provérbios e cantigas do sertão.
A
obra começa com uma epígrafe, extraída de uma quadra de desafio, que sintetiza
os elementos centrais da obra - Minas Gerais, sertão, bois, vaqueiros e
jagunços, o bem e o mal:
"Lá
em cima daquela serra, passa boi, passa boiada, passa gente ruim e boa, passa a
minha namorada."
Sagarana
compõe-se de nove contos:
O Burrinho Pedrês
Sete-de-Ouros,
um burrinho já idoso, é escolhido para servir de montaria num transporte de
gado. Um dos vaqueiros, Silvino, está com ódio de Badu, que anda namorando a
moça de quem Silvino gosta. Corre o boato, entre os vaqueiros, de que Silvino
pretende vingar-se do rival. De fato, Silvino atiça um touro e o faz investir
contra Badu, que, porém, consegue dominá-lo. Os vaqueiros continuam murmurando
que Silvino vai matar Badu. No caminho de volta, este, bêbado, é o último a
sair do bar e tem de montar no burro. Anoitece e Silvino revela a seu irmão o
plano de morte. Contudo, na travessia do Córrego da Fome, que pela cheia
transformara-se em rio perigoso, vaqueiros e cavalos se afogam. Salvam-se
apenas Badu e Francolim, um montado e outro pendurado no rabo do burrinho.
Sete-de-Ouros,
burro velho e desacreditado, personifica a cautela, a prudência e a muito
mineira noção de que não vale a pena lutar contra a correnteza, se o que se
pretende é a travessia. Sete-de-Ouros - no jogo de truco, de "manilha
velha" é a manilha mais baixa, após a espadilha, o sete-de-copas e o zape.
"Macho"
é mulo, mu, muar - o burrinho Sete-de-Ouros, protagonista da história.
"Carregado de algodão" simboliza o peso da vida, o trabalho do
burrinho, e metaforiza a carga dos homens, o peso do mundo, como fardos de
algodão. "Preguntei: p'ra donde ia?" - a forma arcaica do verbo
perguntar sugere a indagação permanente dos homens, sábios e filósofos: para
quê?, por quê?, de onde?, para onde?. "P'ra rodar o mutirão" alude ao
esforço coletivo, ao dever de solidariedade que o burrinho cumprirá na sua hora
e na sua vez.
Nos
contos, novelas e romance de Guimarães Rosa, há sempre um momento crucial, uma
"hora e vez", uma "travessia", ápice da existência, resumo
de seu sentido: "...a estória de um burrinho, como a história de um homem
grande, é bem dada no resumo de um só dia de sua vida".
Em
"Sagarana" renasce o anônimo "contador de estórias", o
homem coletivo que se enraíza nos rapsodos gregos e nas canções de gesta
medievais. Desde o início do conto (Era um burrinho pedrês...) esboça-se
claramente a atitude ingênua e espontânea da "palavra lúdica", que
não aprisiona o falar nos limites rígidos do individualismo, mas se identifica
com a palavra anônima e coletiva.
Seja
pela fórmula linguística caracterizadora da narrativa elementar, da fábula, da
lenda (Era um burrinho...), tempo e modo verbais que, de imediato, tiram à
narrativa o caráter de coisa datada, para projetarem na esfera intemporal do
universo de ficção; seja pela mescla de precisão e imprecisão documental no
registro do espaço (vindo de Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde
no sertão); seja pela dimensão antropomórfica (forma humana) que é dada à
personagem central, o "burrinho-gente", e que situa a narrativa na
fronteira entre o real e o mágico; seja pela funcionalidade das cantigas
inseridas no fluxo narrativo, tudo isso e muito mais nos revela, no universo da
palavra rosiana, a presença do "homo ludens" (homem lúdico),
descompromissado com as estruturas convencionais do pensamento lógico.
A Volta
do Marido Pródigo
Lalino,
um mulato muito vivo, ajudante numa construção de estrada, não gosta do
trabalho. Abandona sua mulher e o meio rural para procurar na capital a
felicidade com que sonha: bonitas mulheres à vontade, iguais às que vira em
revistas. Depois de algum tempo, cansa-se e fica com saudades: volta. Mas sua
mulher, Maria Rita, agora vive com outro. Lalino quer ganhar de volta a
consideração do povo e a mulher. Oferece-se uma oportunidade: cooperar como
cabo eleitoral do Major, com vistas a ganhar as eleições próximas. Graças a uma
série de artimanhas que, no primeiro momento, parecem ser desastrosas para a
política do Major, mas que na verdade são intrigas muito hábeis contra o
adversário político, Lalino garante o sucesso eleitoral do patrão.
Reconcilia-se com a mulher, Maria Rita, que nunca o deixara de amar. A narrativa
aproxima-se das novelas picarescas e é um retrato bem-humorado das oscilações
interesseiras das convicções políticas do interior.
Novamente
temos um burrinho, animal que, como os bois e cavalos, é presença obrigatória
nos contos de Sagarana, que a crítica define como um verdadeiro "tratado
de bovinologia". Esses animais são humanizados e alegorizam a própria
condição humana.
Sarapalha
Primo
Ribeiro e primo Argemiro, ambos estão com malária, são os únicos habitantes do
vau de Sarapalha, lugar dizimado pela epidemia e abandonado pelos demais
moradores. Sujeitos a periódicos ataques de febre, cada vez mais sérios,
esperam a morte. Saudosamente, evocam a lembrança da bela Luísa, mulher de
primo Ribeiro que, ao manifestar-se a malária, tinha-o abandonado por causa de
outro. Argemiro, que deseja morrer de consciência tranquila, confessa ao primo
que a sua mudança para a casa de Ribeiro foi motivada pela atração que sentia
por Luísa. Ribeiro reage amargamente e se mostra implacável: manda Argemiro embora
na hora em que começa a agonia.
A
seguinte epígrafe, como em todos os contos de Sagarana, condensa o significado
do texto em questão: "Coitado de quem namora!". Argemiro, maleitoso e
agonizante, é expulso por ter se apaixonado pela mulher de seu primo. A
linguagem do conto acompanha o clima de desgraça e doença, os momentos de
tremedeira e desvario dos dois maleitosos, compondo um quadro profundo e
sensível da psicologia dos vencidos pela desolação, dos efeitos morais e
sociais da maleita.
Em
suas andanças, como médico, pelo sertão de Minas, Guimarães Rosa aprofundou seu
contato com o homem primitivo, quase pré-histórico das Gerais, enquanto ia
estudando idiomas: francês, inglês, italiano, espanhol, russo, húngaro, grego,
latim... Da fusão da oralidade, da fala com a pesquisa do idioma, nasce a
linguagem de Rosa - linguagem do sertão e do mundo.
O Duelo
O
capiau Turíbio Todo testemunha a traição de sua mulher com o ex-militar
Cassiano Gomes, e faz planos de vingança. Todavia, a bala destinada a matar
Cassiano (de costas) não acerta o adúltero, mas sim seu irmão, inocente.
Cassiano põe-se a perseguir Turíbio para vingar o assassínio do irmão. Turíbio
refugia-se no sertão, acossado por Cassiano. Durante meses trava-se uma luta
aferrada, em que cada um é ao mesmo tempo perseguidor e perseguido. Algumas
vezes os duelistas se desencontram por um fio. Cassiano cai gravemente doente,
mas antes de morrer, ajuda com generosidade um capiau que vive na miséria,
chamado Vinte-e-Um. Turíbio, ao saber da morte do adversário, fica contente e
põe-se a caminho de volta para sua mulher. Vinte-e-Um, porém, o identifica e
mata, cumprindo assim a vingança que prometera a Cassiano.
O
conto pode ser lido como uma alegoria da fatalidade, de inexorabilidade do
destino humano. Enquanto os homens se perdem na busca de seus objetivos, de um
fim, algo superior dispõe o contrário, o imprevisto.
Minha
Gente
O
conto serve de pretexto para a documentação dos costumes e dos infortúnios da
vida da roça. Estrutura-se como uma espécie de paródia, meio sentimental e meio
irônica, das estórias de amor com final feliz.
O
narrador-personagem, um moço, está de visita na fazenda do tio, empenhado em
ganhar as eleições locais. O moço se apaixona por Maria Irma, sua prima, e lhe
faz uma declaração, à qual ela não corresponde. Um dia, ela recebe a visita de
Ramiro, noivo de outra moça, segundo ela diz, e o moço fica com ciúmes. Para
atrair o amor de Maria Irma, ele finge namorar uma moça da fazenda vizinha.
Porém, o plano falha - tendo como efeito secundário, não calculado, a vitória
do tio nas eleições - e o moço deixa a fazenda. Na visita seguinte, Maria Irma
apresenta-lhe Armanda. É amor à primeira vista; ele se casa com a moça, e Maria
Irma, por sua vez, se casa com Ramiro Gouveia, "dos Gouveias de Brejaúba,
no Todo-Fim-É-Bom".
Como
numa novela, há várias intrigas, episódios e personagens secundários. Numa
dessas intrigas, Bento Porfírio comete adultério com a de-Lourdes, casada com
Alexandre, o Xandrão Cabaça, que acaba matando o rival. Há, de permeio, o
episódio da eleição e da vitória de Emílio do Nascimento, tio do
narrador-personagem, pelo partido João-de-Barro, e que serve de pretexto para a
retratação das astúcias e intrigas da política interiorana de Minas. Outras
personagens se entrecruzam: Santana, o inspetor de ensino e jogador de xadrez;
José Malvino, guia e mateiro, conhecedor da natureza e dos costumes do sertão;
o Moleque Nicanor, menino da fazenda e que, com oito anos, já sabe pegar, em
campo aberto, qualquer montaria, sem cabresto nem milho, só com a esperteza de
sua cor e tamanho. Surgem outras personagens como: Bilica, Agripino e tio
Ludovico. A ação se passa no Saco-do-Sumidouro, entre fazendas e pesqueiros: o
Pau-Preto, o Touno-Tombo, até as Três Barras.
Nesse
conto, o narrador-personagem, que não se identifica nominalmente, impregna sua
narrativa de forte dose de lirismo. Observe também os processos de (re)invenção
de palavras: por aglutinação (milmalditas) e por justaposição
(até-as-pedras-se-encontram).
Repare,
também nas siglas C3BR (cavalo três bispos de rei), P4D (peão quatro de dama),
(P)4BD (peão quatro bispo de dama) e P3CD (peão três cavalos da dama). Elas
designam, de modo cifrado, os movimentos das peças ou sua posição no tabuleiro
de xadrez.
São
Marcos
José
(Izé), o narrador, médico novo, récem-chegado no Calango-Frito, embora
supersticioso, não acredita em feitiçaria e vive caçoando de um curandeiro e
feiticeiro local - o João Mangolô, cuja cafua vive repleta de clientes de suas
rezas, seus despachos, mandingas e simpatias. Muitos outros no Calango-Frito
estavam envolvidos com todo o tipo de bruxarias; Nhá Tolentina, já muito rica e
considerada por seus despachos; Dona Cesária, que atuava em calungas de cera; e
até o menino Deolindinho obteve feitiço contra os coques do professor.
Certo
domingo, o narrador (Izé), a caminho de suas visitas ao mato das Três Águas,
passa rente à cafua de João Mangolô e, como sempre, zomba do curandeiro e o
insulta sem motivo.
Em
outra ocasião, a caminho-do-mato, onde se entretinha na contemplação da
natureza, de seus mínimos movimentos, dos bichos, árvores e flores,
encontrou-se com Aurísio Manquitola e se entreteve com os casos dos terríveis
efeitos e poderes da oração mágica de São Marcos, que o narrador também
conhecia. A longa prosa com Aurísio envolveu também outros circunstantes: o
Gestal da Gaita, o Compadre Silvério, o Tião Tranjão, o Cypriano, o Felipe
Turco, entre outros, cada qual narrando os seus casos de feitiçaria.
José
embrenha-se de novo no mato, absorto na contemplação da natureza, recordando o
desafio poético travado com "Quem-Será", que se fazia em meio à
natureza, pois os autores, sem se defrontarem, inscreviam os seus versos nos
colmos (gomos) de belíssimos bambus.
Embora
curioso, deixou para a volta a surpresa dos últimos versos de seu anônimo
adversário, para envolver-se cada vez mais com a poesia da natureza, dos lagos,
das flores, das árvores, dos pássaros, das aranhas, das formigas e das
taturanas.
De
repente, sem explicação, fica cego. Fica desesperado. Mas como conhecia a fundo
os ruídos, cheiros e as mínimas vibrações do mato, dos ventos e dos animais,
consegue se orientar. Irritado com a demora da luz, profere, com raiva, a reza
de São Marcos. Tomado de fúria, avança numa só e precisa direção: a casa de
João Mangolô. Vai guiado pelos ruídos e cheiros que, pouco a pouco, começam a
se tornar familiares. Assim, chega, de súbito, na cafua do João Mangolô, e
começa a esganá-lo, furioso. Nisso, volta a enxergar. O negro velho havia
amarrado, por brincadeira vingativa, uma tira nos olhos de um retrato do
narrador, irreverente e zombador, que não acreditava em feitiçaria, ainda que
fosse supersticioso.
Há,
no conto, três fábulas: a do feiticeiro e das feitiçarias, a do passeio e da
natureza e a dos poemas. O principal ponto de convergência se manifesta na
função criativa da palavra. Nas três fábulas, a palavra é valorizada não pela
função referencial, de indicar seres existentes fora dela, mas enquanto forma
de criação de novas realidades e de conhecimento, que se efetua principalmente
graças ao plano da expressão.
Tanto
no poema quanto na feitiçaria é quase irrisório conhecer o significado das
palavras e enunciados. Este permanece como algo mais intuído que compreendido.
A reza de São Marcos não interessa enquanto significado, sentido - "é
melhor esquecer as palavras" - mas como rito, magia, iniciação
transcendentalista.
Em
todas as fábulas processa-se, assim, uma volta às origens: através da
reintegração total dos sentidos, da aproximação com a natureza, da crença na
força da palavra.
Conta-se,
portanto, a história da revelação de um destino que se revela por um
conhecimento estético superior do universo, manifesto na imersão
sensual/sensorial mágica da natureza. A cegueira de Izé é o pretexto para que o
autor faça aflorar outros sentidos, outras potencialidades do ser, que são, a
seu modo, a "hora e vez" do narrador, a sua "travessia" no
mundo do mistério e do encantamento.
Corpo
Fechado
O
narrador, médico em Laginha, vilarejo do interior, é convidado por Manuel Fulô
para ser padrinho de casamento. Manuel detesta qualquer tipo de trabalho e,
enquanto bebem cerveja, divertem-se, ele contando e o doutor ouvindo as
histórias e os casos: do rato que tinha em casa enjaulado e que estava, por
artimanha sua, criando amizade a um gato rajado; dos valentões do lugar - José
Boi, Desidério, Miligido, Dêjo (Adejalma) e Targino, o mais recente, e que teve
a insolência de reunir seu bando e comer carne com cachaça em frente da igreja,
numa sexta-feira da Paixão; dos ciganos que ele, Manuel Fulô, teria trapaceado
na venda de cavalos; de sua rivalidade com Antonico das Pedras-Águas, o
feiticeiro. Manuel possui uma mula, Beija-Fulô, e Antonico é dono de uma bela
sela mexicana; cada um dos dois gostaria de adquirir o bem do outro.
Aparece
então Targino, o valentão do lugar, e anuncia, cinicamente, que vai passar a
noite, antes do casamento, com a noiva de Manuel Fulô. Ele fica desesperado;
ninguém pode ajudá-lo, pois Targino domina o lugarejo. Aparece então o
feiticeiro Antonico e propõe um trato a Manuel Fulô: vai "fechar-lhe o
corpo", mas exige em pagamento a mula Beija-Fulô, maior orgulho e paixão
de Manuel. O trato é aceito.
De
corpo fechado, Manuel Fulô enfrenta o bandido Targino e, para espanto de todos,
mata-o com uma faquinha do tamanho de um canivete. O casamento com a das Dor
realiza-se sem problemas e de vez em quando consegue emprestada sua antiga
mulinha Beija-Fulô, para ostentar, à cavaleiro, sua nova condição de valentão
de Laginha.
Conversa
de bois
O
narrador da novela ouviu a tragédia, que vai contar ao leitor, de Manuel
Timborna, que a ouviu da irara Risoleta, testemunha do acontecido.
Pelo
sertão anda um carro de bois: na frente, Tiãozinho, o menino guia: logo atrás
as quatro juntas, com oito bois, que conversam enquanto puxam a carroça:
Buscapé e Namorado, Capitão e Brabagato, Dançador e Brilhante, Realejo e
Canindé; em cima do carro vai Agenor Soronho. Carregam uma carga de rapadura e,
sobre ela, mal acomodado e sacolejando, o caixão com um defunto, o pai de
Tiãozinho, ex-guia dos bois do Agenor Soronho.
Tiãozinho
vai chorando: sofre com a morte do pai e com a de Didico, sofre também com o
calor, o cansaço e os maus-tratos que recebe do carreiro Agenor, que o faz
sofrer, que aguilhoa brutalmente os bois. Por doença e morte de seu pai,
Tiãozinho ficara totalmente dependente de Agenor Soronho, que sustenta a
família do menino, interessado em se tornar amante da viúva, com quem mantivera
já misteriosas relações, durante a doença do pai de Tiãozinho.
O
boi Brilhante vai contando aos demais a estória do boi Rodapião, que morreu por
assimilar os processos mentais dos homens. Os bois vão conversando entre si
sobre a opressão dos bois pelos homens e a possibilidade de vencerem sua
superioridade. Sentem-se solidários com o menino.
Ao
entardecer, na ladeira do Morro-do-Sabão, Agenor encontra, espatifado, o carro
da Estiva, carreado por João Bala. Havia caído ao tentar subir a ladeira.
Agenor consola o carreiro e, em seguida, para provar a Tiãozinho que era um
carreiro de verdade, escala a subida em que João Bala fracassara. Sai vitorioso
e coloca-se na dianteira do carro, junto aos bois, e cochila. Os bois percebem
que o "homem-do-pau-comprido-com-marimbondo-na-ponta" está dormindo.
Jogam-se bruscamente para a frente, atropelando-se para derrubar Agenor
Soronho, que cai. A roda do carro passa sobre o seu pescoço, sem que se possa saber
se morreu dormindo ou se acordou para saber que morria.
Retomando,
sob outro prisma, o conto inicial "O Burrinho Pedrês", este
"Conversa de Bois" é uma alegoria sobre a justiça dos animais e a
crueldade dos homens.
A hora e
vez de Augusto Matraga
Narrado
em terceira pessoa, o conto enfatiza duas constantes da vida do sertão: a
violência e o misticismo, na interminável luta do bem e do mal.
Augusto
Esteves, filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do Saco-da-Embira,
conhecido como Nhô Augusto e também como Augusto Matraga, é o maior valentão do
lugar, briga com todo mundo e maltrata por pura perversidade. Debochado, tira
as mulheres e namoradas dos outros. Não se preocupa com sua mulher, Dona
Dionóra, nem com sua filha, Mimita, nem com sua fazenda, que começa a se
arruinar.
Já
em descrédito econômico e político, sobrevém o castigo: sua mulher, Dionóra,
foge com Ovídio Moura levando a filha, e seus bate-paus (capangas), mal pagos,
põem-se a serviço do seu pior inimigo; o Major Consilva Quim Recadeiro foi quem
levou a notícia da defecção dos capangas. Nhô Augusto resolve ter com eles,
antes de matar Dionóra e Ovídio, mas no caminho é atacado, numa tocaia, por
seus inimigos, que o espancam e o marcam com ferro de gado em brasa. Quase
inconsciente, no momento em que vai ser assassinado, reúne as últimas forças e
se atira no despenhadeiro do rancho do Barranco. Tomam-no por morto. É,
contudo, encontrado por um casal de negros velhos: a mãe Quitéria e o pai
Serapião, que tratam de Nhô Augusto, que sara, mas fica com sequelas
deformantes.
Começa
então uma nova vida, no povoado do Tombador, para onde levou os pretos, seus
protetores. Regenera-se e, esperando obter o céu, leva uma vida de trabalho
duro, penitência e reza. Arrependido de suas maldades, ajuda a todos, e reza
com devoção: quer ir para o céu, "nem que seja a porrete", e sonha
com um "Deus valentão".
Passados
seis anos, tem notícias de sua ex-família através de Tião da Thereza: a esposa,
Dona Dionóra, vive feliz com Ovídio, e vai casar-se com ele; Mimita, sua filha,
foi enganada por um cometa (espécie de caixeiro viajante) e caiu na perdição.
Matraga sente saudades, sofre, mas se resigna.
Certo
dia, aparece o Joãozinho Bem-Bem, jagunço de larga fama, acompanhado de seus
capangas: Flosino Capeta, Tim Tatu-tá-te-vendo, Zeferino, Juruminho e Epifânio.
Matraga hospeda-os com grande dedicação e admira as armas e o bando de
Joãozinho Bem-Bem. Mas se recusa a acompanhar o bando, mesmo convidado pelo
chefe e não aceita qualquer ajuda dos jagunços. Quer mesmo ir para o céu.
Totalmente
recuperado, Matraga despede-se dos velhinhos e parte, sem destino, num jumento.
Chega ao Arraial do Rala-Coco, onde reencontra Joãozinho Bem-Bem e seu bando,
prestes a executar uma cruel vingança contra a família de um assassino que
fugira. Augusto Matraga desperta para a sua hora e vez: intervém em nome da
justiça, opõe-se ao chefe do bando, liquida diversos capangas, tomado de
verdadeiro furor. Bate-se em duelo singular com Joãozinho Bem-Bem. Ambos morrem
- Joãozinho primeiro. Nessa hora, Augusto Matraga é identificado por seu
antigos conhecidos.
Observe
a importância do número três durante toda a narrativa: a personagem principal
tem três nomes - Augusto Matraga, Augusto Esteves e Nhô Augusto; os lugares em
que transcorrem as fases de sua vida também são três - Murici, onde vive
inicialmente; o Tombador, onde faz penitência; o Rala-Coco, lugarejo próximo a
Murici, onde encontra sua hora e vez. Além disso, ele também vive em trios:
inicialmente, na praça, ele está com duas prostitutas; em casa, ele vive com a
mulher e a filha; depois de ter sido surrado e marcado a ferro, vive com um
casal de pretos; e, no final, aparece um último trio: ele, Joãozinho Bem-Bem e
o velho a quem protege.
domingo, 9 de setembro de 2012
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
Perseguição a Julian Assange
O anúncio de que o governo do Equador
concedeu asilo político a Julian Assange causou uma reação intempestiva do
governo britânico, que vem ameaçando inclusive invadir a representação
diplomática equatoriana em Londres para prender Assange e depois extraditá-lo
para a Suécia, provavelmente primeiro estágio antes de seu destino final, que
seria algum cárcere norte-americano.
A ameaça britânica, pelo menos como
divulgada pela imprensa, é um fato realmente grave que compromete o tradicional
conceito de inviolabilidade das missões diplomáticas, garantido pela Convenção
de Viena, e o direito ao asilo territorial, consagrado pela prática diplomática
latino-americana e geralmente respeitado por vários outros países.
É verdade que Julian Assange, com a
divulgação de muitos segredos de Estado e indiscrições diplomáticas revelados por
meio do WikiLeaks, incomodou muitos governos e muita gente, sobretudo o governo
norte-americano. Os Estados Unidos, não é de hoje, estão loucos para agarrar
Assange e, se possível, condená-lo à morte ou à prisão perpétua.
Sua extradição para a Suécia poderia ser
um passo importante para que os Estados Unidos lograssem alcançar a sua meta e
foi justamente por essa razão que Assange buscou asilo na embaixada do Equador
em Londres. Vale lembrar que nos Estados Unidos as acusações contra Assange são
secretas, o que gera uma situação de verdadeira impotência da defesa de Assange
diante das garras do Estado.
Parece surreal mas o que pode acontecer é
que a democracia britânica talvez faça o que nem a mais terrível das ditaduras
latino-americanas ousou fazer durante o tenebroso período militar, ou seja, violar
o espaço de uma missão diplomática e prender um asilado político.
Curioso é que durante o golpe militar no
Chile, em 1973, cerca de cinco mil pessoas foram beneficiadas pelo direito de
asilo e salvaram-se ao se abrigarem em representações diplomáticas em Santiago,
capital do país. Aliás, as embaixadas europeias estavam entre as mais buscadas
pelos militantes políticos em apuros. Naquela ocasião, nem a então Junta
Militar e, depois, nem o presidente general Augusto Pinochet, impediram a saída
dos asilados políticos do país. O mesmo ocorreu no Brasil, na Argentina, no
Uruguai, enfim, em todos os países que caíram sob regimes ditatoriais.
Já a democracia britânica do século XXI
acha normal que uma pessoa seja perseguida porque divulgou “segredos militares”
e confidências diplomáticas dos Estados Unidos. Aliás, os segredos militares
divulgados pelo WikiLeaks apenas mostram a brutal realidade da guerra e da ação
dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão. Enfim,
apenas comprovam o que muita gente sabia mas não tinha como provar.
É preciso uma reação ao desatino das
autoridades britânicas. Como bem disse o chanceler equatoriano, Ricardo Patiño,
o seu país não é uma colônia britânica. Os países latino-americanos, por sua tradição
jurídica em termos de reconhecimento do direito de asilo, deveriam se
pronunciar oficialmente sobre essa questão e mostrar como os “civilizados”
europeus estão se comportando ao desrespeitarem inclusive os direitos humanos.
Autor: Pio Penna Filho
*Professor do Instituto de
Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do
CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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