domingo, 25 de agosto de 2013

Massacre no Cairo


Pio Penna Filho*

 

O Oriente Médio continua sendo um barril de pólvora altamente explosivo. Um dos expoentes da tão falada “primavera árabe”, o Egito, um dos mais importantes países da região, vive no fio da navalha. A situação política se deteriorou tanto que a violência irrompeu de forma avassaladora durante essa semana.

Por enquanto, a contabilidade dos últimos confrontos na cidade do Cairo registra mais de 500 mortos e milhares de feridos após violenta repressão das forças militares contra os apoiadores do presidente deposto, Mohammed Mursi. Os militares egípcios, pode-se dizer, perderam o juízo. Ou, então, estão muito confiantes com o apoio externo que ainda, de certa foram, conseguem manter.

É interessante notar que o golpe de Estado recentemente dado pelos militares foi tolerado de forma não usual pela comunidade internacional, sobretudo pelos Estados Unidos. Internamente, o novo regime utilizou o argumento da ordem e do governo liberal para manter alguma legitimidade. Alguns políticos de renome internacional, como o Prêmio Nobel da Paz Mohamed El Baradei, chegaram inclusive a se aventurar no novo governo.

Baradei foi uma das primeiras baixas pós-massacre. Infelizmente para sua reputação, saiu tarde demais. Poderia ter mantido sua biografia sem o custo de tantas mortes nas costas, aliás, assim como alguns governos estrangeiros que apostaram na “solução” militar para conter a Irmandade Muçulmana.

Um dos pontos emblemáticos do que está acontecendo no Egito é justamente o desrespeito à Constituição do país e à própria e incipiente democracia egípcia. Mohammed Mursi foi democraticamente eleito e os opositores ao seu governo e à Irmandade Muçulmana não tiveram a paciência necessária para esperar o final do mandato e a decisão das urnas do próximo pleito eleitoral. Os militares e seus associados aprisionaram ilegalmente o presidente e o mantem encarcerado até hoje, sem acusações que façam algum sentido.

É preciso considerar que os militantes e simpatizantes do presidente Mursi conformam uma parcela importante da sociedade egípcia. Seu protesto é legítimo, afinal de contas ilegítima foi a ação que levou à deposição do presidente. Estavam exercendo um dos principais e mais elementares pilares da cidadania, que é o direito à livre manifestação. Não pode a comunidade internacional ficar apática diante de tal abuso e seguir a retórica vazia dos norte-americanos, que sequer reconhecem como golpe de Estado o que aconteceu no país e continuam enviando ajuda bilionária para os militares.

Os cenários de curto e médio prazos para o Egito não são muito alvissareiros. Por um lado, é muito difícil imaginar uma saída que contemple o retorno ao poder do presidente Mohammed Mursi e a normalização institucional do país; por outro, com a democracia fragilizada e as características políticas regionais, associadas à ambiguidade norte-americana em sua relação com os militares egípcios, é também difícil imaginar uma solução razoável num curto período de tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 



* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

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