Pio
Penna Filho*
Bashar Assad não
quer mesmo deixar o poder na Síria. Na quarta-feira passada, dia 04, a
“vitória” eleitoral do ditador foi comemorada no país com mortes e muitas
pessoas feridas. Ditadores geralmente perdem o senso de realidade e passam a
viver um mundo à parte, sem se importar com a verdadeira realidade que o cerca.
Esse é justamente o caso de Assad.
A Síria vive anos de um conflito terrível
que já matou milhares de pessoas e promoveu o refúgio de milhões. Todas as
tentativas de solucionar a guerra até agora fracassaram e não existe, pelo
menos por enquanto, nenhuma perspectiva de que a paz finalmente chegue ao país.
É simplesmente impossível realizar
eleições livres e justas num país em guerra. No caso da Síria, mais ainda. Não
existem condições para o debate político e nem tranquilidade para que as
pessoas possam expressar suas opiniões livremente. Além disso, como dito acima,
milhões de sírios se encontram em situação de refúgio em outros países e ficaram
automaticamente alijados do processo eleitoral. Isso, claro, sem contar aqueles
que estão vivendo em áreas nas quais os combates ocorrem quase que diariamente
e todos se preocupam em primeiro lugar em manter a vida.
Quando o governo anuncia que Assad obteve
88,7% dos votos, isso dá muito o que pensar. Aliás, pode-se dizer mesmo que o
governo ainda foi modesto, uma vez que era de se esperar um anúncio típico de
regimes ditatoriais que, desavergonhadamente, costumam anunciar a reeleição com
números sempre superiores a 90% dos votos.
O mínimo que se pode dizer é que o
processo eleitoral na Síria foi uma farsa. O problema, para o governo sírio, é
que dificilmente esse engodo irá convencer alguém além daqueles que querem se
iludir, ou seja, praticamente aqueles de alguma forma beneficiados pelo próprio
governo.
A saída para o conflito na Síria é,
aparentemente, política. Digo aparentemente porque até agora o governo
ditatorial de Assad não conseguiu silenciar os movimentos rebeldes por meio das
armas. A mesma lógica vale para os rebeldes, uma vez que eles estão muito longe
de alcançar o seu objetivo por meio da violência. Isso significa que a
negociação política é um imperativo.
No plano externo o governo Assad tem cada
vez menos aliados. É um governo quase sem legitimidade internacional e que vem
apresentando dificuldades para manter o apoio até agora conquistado.
A farsa eleitoral no país tem tudo para
desacreditar ainda mais o que resta do governo Assad tanto interna quanto
externamente, mas isso não costuma ser um problema para ditadores.
É difícil afirmar categoricamente o que
irá acontecer com a Síria no futuro próximo. A curto prazo talvez o governo
Assad consiga se manter no poder, mas a incerteza é muito grande. Infelizmente,
a única certeza que temos é que a violência e o sofrimento de milhares de
pessoas continuarão até que o ditador seja deposto e as cicatrizes dessa
terrível guerra comecem a cicatrizar, e isso pode levar ainda muito tempo, para
infortúnio de muitos.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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