segunda-feira, 9 de junho de 2014

Síria – sem perspectivas de paz

Pio Penna Filho*

Bashar Assad não quer mesmo deixar o poder na Síria. Na quarta-feira passada, dia 04, a “vitória” eleitoral do ditador foi comemorada no país com mortes e muitas pessoas feridas. Ditadores geralmente perdem o senso de realidade e passam a viver um mundo à parte, sem se importar com a verdadeira realidade que o cerca. Esse é justamente o caso de Assad.
A Síria vive anos de um conflito terrível que já matou milhares de pessoas e promoveu o refúgio de milhões. Todas as tentativas de solucionar a guerra até agora fracassaram e não existe, pelo menos por enquanto, nenhuma perspectiva de que a paz finalmente chegue ao país.
É simplesmente impossível realizar eleições livres e justas num país em guerra. No caso da Síria, mais ainda. Não existem condições para o debate político e nem tranquilidade para que as pessoas possam expressar suas opiniões livremente. Além disso, como dito acima, milhões de sírios se encontram em situação de refúgio em outros países e ficaram automaticamente alijados do processo eleitoral. Isso, claro, sem contar aqueles que estão vivendo em áreas nas quais os combates ocorrem quase que diariamente e todos se preocupam em primeiro lugar em manter a vida.
Quando o governo anuncia que Assad obteve 88,7% dos votos, isso dá muito o que pensar. Aliás, pode-se dizer mesmo que o governo ainda foi modesto, uma vez que era de se esperar um anúncio típico de regimes ditatoriais que, desavergonhadamente, costumam anunciar a reeleição com números sempre superiores a 90% dos votos.
O mínimo que se pode dizer é que o processo eleitoral na Síria foi uma farsa. O problema, para o governo sírio, é que dificilmente esse engodo irá convencer alguém além daqueles que querem se iludir, ou seja, praticamente aqueles de alguma forma beneficiados pelo próprio governo.
A saída para o conflito na Síria é, aparentemente, política. Digo aparentemente porque até agora o governo ditatorial de Assad não conseguiu silenciar os movimentos rebeldes por meio das armas. A mesma lógica vale para os rebeldes, uma vez que eles estão muito longe de alcançar o seu objetivo por meio da violência. Isso significa que a negociação política é um imperativo.
No plano externo o governo Assad tem cada vez menos aliados. É um governo quase sem legitimidade internacional e que vem apresentando dificuldades para manter o apoio até agora conquistado.
A farsa eleitoral no país tem tudo para desacreditar ainda mais o que resta do governo Assad tanto interna quanto externamente, mas isso não costuma ser um problema para ditadores.
É difícil afirmar categoricamente o que irá acontecer com a Síria no futuro próximo. A curto prazo talvez o governo Assad consiga se manter no poder, mas a incerteza é muito grande. Infelizmente, a única certeza que temos é que a violência e o sofrimento de milhares de pessoas continuarão até que o ditador seja deposto e as cicatrizes dessa terrível guerra comecem a cicatrizar, e isso pode levar ainda muito tempo, para infortúnio de muitos.






















* Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário