segunda-feira, 4 de novembro de 2013
terça-feira, 8 de outubro de 2013
sábado, 5 de outubro de 2013
terça-feira, 1 de outubro de 2013
Terror: da Somália para o Quênia
Pio
Penna Filho*
Um dos principais grupos armados da
prolongada guerra civil da Somália promoveu uma espetacular e mortífera ação em
Nairóbi, capital do Quênia. Até agora os registros indicam 72 pessoas mortas,
entre militares, terroristas e civis, sendo que a grande maioria dos mortos são
civis que estavam no local do atentado, um sofisticado shopping center da
cidade.
O grupo que assumiu o atentado chama-se
“Al-Shabab” e entrou em operação em 2006, quando as chamadas “Cortes Islâmicas
da Somália” promoveram um arremedo de governo no país. Aliás, é de se notar que
a Somália é um típico caso de estado falido, sem governo efetivo e com a
população vivendo à mercê de grupos armados que controlam partes do país, o que
provoca uma enorme insegurança coletiva e dá margens ao surgimento e
proliferação de grupos radicais que tentam se impor por meio da violência.
O Quênia entra nessa história a partir do
momento em que suas Forças Armadas começaram a combater as milícias do Al-Shabab
em território somali. Na verdade, o Quênia foi envolvido na questão somali por
uma série de fatores, dentre eles pelo fato de possuir uma extensa fronteira
com a Somália e, por isso, sofrer diretamente as consequências da guerra civil
do vizinho, seja pelo fluxo de refugiados, seja pela ação dos grupos armados
islâmicos em seu território.
Há que se destacar também que além dos
aspectos regionais o Quênia foi, de certa forma, induzido pelos Estados Unidos
em sua cruzada contra o chamado “terrorismo internacional” a participar do
conflito na Somália, justamente como ocorreu com a Etiópia, outro país vizinho
da Somália que também sofria e sofre as consequências de fazer fronteira com um
estado falido.
Nos últimos anos tropas etíopes e
quenianas participaram diretamente de operações militares na Somália,
principalmente para combater as milícias da Al-Shabab. Esse é um dos motivos do
atentado no Quênia. Ocorre que agora a situação tende a piorar, haja vista que
provavelmente o governo do Quênia e as demais forças presentes na Somália, irão
ampliar a repressão especialmente contra a Al-Shabab, que por sinal está
oficialmente vinculada à rede Al-Qaeda.
A Al-Shabab não é um grupo fácil de
combater. Eliminá-la, então, pelo menos num cenário de curto ou médio prazo,
soa como um devaneio. O grupo está sofrendo uma enorme pressão na Somália por
parte de tropas estrangeiras e o atentado no Quênia é uma forma de dizer ao
mundo e aos somalis que sua capacidade operacional continua de pé.
O grande problema são os métodos adotados
pelo grupo. O terror predomina e os mais afetados são os civis. Os somalis já
vem sofrendo o infortúnio de ter que lidar com a sua presença em diversas
partes do país e agora o público externo se vê também vulnerável às suas ações.
Infelizmente a resolução desse conflito
não será pacífica. Embora a negociação passe por entendimentos políticos, esse
grupo só aceitará negociar quando já estiver em frangalhos, ou seja, quando não
houver mais como continuar a luta armada por meio do terrorismo.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
A IMPORTANTE VERTENTE DO TURISMO CULTURAL
·
Luíza
Ribeiro[1]
O turismo
cultural, Segundo Lohmann (2012), abrange 4 grandes vertentes, a social,
cultural, econômica e ambiental. Sendo o turismo cultural, uma das principais
vertentes. Mato Grosso, estado que guarda fortes tradições forjadas pelas
influências europeia, negra e indígena, vê na cultura um imenso universo a ser
explorado.
Uma via de mão dupla, onde o turismo ganha com a cultura
regional e a cultura regional se revigora com a ampliação do turismo nesta
área.
Nas
diversas definições do turismo a ressalvas à importância da vertente para a
composição dessas atividades humana, que se encontra em crescimento
significativo. Em cada ato de interação entre povos e seus costumes, estará lá
o turismo cultural como um mediador de suas expressões e tradições.
Com
tudo, além dos aspectos positivos, é preciso pontuar as deficiências das
atividades turísticas nessa área: Pouca compreensão dos profissionais
envolvidos sobre o seu verdadeiro potencial e sobre as técnicas adequadas para
esse segmento, desconhecimento por parte dos “fazedores” da cultura sobre o
alcance turístico da atividade e falta de planejamento para organizar essa
importante vertente do turismo, são sem duvidas os principais problemas desse
setor.
Por
fim, a esperança positiva para o setor reside no fato de Mato Grosso, e sua
capital Cuiabá, ter assumido papel de destaque ao sediar a Copa do Mundo de
Futebol 2014. Podendo com certeza, contribuir para a difusão do turismo
cultural.
Os turismólogos,
no entanto, passam a ter importante papel nesse momento, em que o turismo
cultural se estabelece como importante ferramenta para divulgação de nossas
expressões artísticas e culturais.
Os Estados Unidos e a Política Mundial
Pio
Penna Filho*
O governo do presidente Obama, prêmio
Nobel da “Paz”, está com todo o seu poderoso dispositivo militar pronto para
atacar a Síria. Ao mesmo tempo, esse mesmo governo ampliou de forma espetacular
os tentáculos de sua espionagem em escala global, bisbilhotando a tudo e a
todos, como vem sendo mostrado pela divulgação de sua própria documentação.
Abaixo, algumas conclusões sobre a atuação dos Estados Unidos na política
mundial à luz da sua prática.
Os Estados
Unidos agem como se fossem um Império. A política externa norte-americana é
agressiva com amigos e inimigos. A vontade imperial de Washington se estende
para todo o globo e sua visão predominante é a de que o mundo deve se dobrar
aos desígnios da grande potência do norte, não havendo força ou ideal superior
à dos Estados Unidos em qualquer canto do mundo. Ademais, o Império está pronto
para intervir em quase qualquer situação, em qualquer lugar, por isso sua
excepcional força militar, notadamente de projeção de poder.
Os
Estados Unidos agem desprezando as normas internacionais. As normas
internacionais valem muito pouco para limitar o poder de Washington. Se a
estrutura de poder internacional erigida em torno do Conselho de Segurança das
Nações Unidas, que legitima políticas de intervenção, não atender aos anseios
dos Estados Unidos, isso não é problema. A intervenção poderá acontecer sem aprovação
do Conselho, haja vista que os interesses americanos estão acima da “lei”, o
que aliás reforça a ideia imperial.
Os
Estados Unidos agem como se quase todos fossem seus inimigos. O que vale
para os Estados Unidos são os seus interesses. Washington leva ao pé da letra a
máxima de que, em termos de política externa, o que vale são os interesses.
Dessa forma, quem é “amigo” hoje pode não ser amanhã; ou quem foi amigo ontem
pode não ser hoje. Assim, a espionagem americana não tem limites, embora receba
a colaboração de alguns poucos países hoje considerados amigos, embora amigos
subalternos.
Os
Estados Unidos agem de acordo com a força e apenas entendem a linguagem da
força. A única imunidade com relação à política imperial dos Estados Unidos
reside em ter força suficiente para uma retaliação militar que cause impacto na
sociedade norte-americana. Meios limitados, como o dos afegãos que resistem há
tempos à ocupação de tropas dos Estados Unidos e da OTAN não são suficientes.
Assim, apenas os países que possuem arsenal nuclear estratégico, com capacidade
real para atingir o território norte-americano, estão fora do radar
intervencionista do império.
O que estamos assistindo ultimamente é
que se esboça uma reação difusa, em escala global, à essa política imperial,
eivada de contradições, sobretudo por serem os norte-americanos os grandes
defensores da democracia e da liberdade.
Não existem muitas ilusões de que essa
reação difusa seja capaz de mudar os rumos da política externa norte-americana.
O problema é que estamos chegando a um ponto em que muitos países e lideranças
estão constatando o óbvio, ou seja, que a linguagem da força e do poder
prevalece sobre o diálogo. Não é à toa que quem está se contrapondo de forma
mais intensa aos Estados Unidos seja justamente a Rússia.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
sábado, 21 de setembro de 2013
domingo, 8 de setembro de 2013
A Guerra da Síria
Pio
Penna Filho*
Vem aí a Guerra da Síria. A guerra civil
está prestes a se tornar uma guerra com envolvimento direto de outros países,
especialmente Estados Unidos e França, que são os que se mostram mais decididos
a iniciarem bombardeios contra alvos sírios. Não há como prever, a partir do
início dos ataques, quanto tempo levará para que uma coalizão maior se forme e,
eventualmente, parta para uma escalada militar contra o governo de Bashar al-Assad.
O argumento utilizado pelos que desejam
bombardear a Síria é que o governo teria realizado ataques com armas químicas
e, portanto, deveria ser devidamente punido. De fato, todas as evidências
indicam que armas químicas foram usadas na Síria, porém, não há como saber,
pelo menos por enquanto e com certeza absoluta, quem foi o responsável pelo
ataque, se o governo ou se os rebeldes.
Os Estados Unidos e parte dos seus
aliados europeus estão convictos de que foi o governo. Naturalmente, tendo em
vista a desproporção entre os recursos à disposição do governo sírio e os
rebeldes, tudo indica que tenha sido mesmo o governo a usar esse tipo de
armamento contra a sua própria população, e não apenas uma única vez.
O problema é que a credibilidade dos
Estados Unidos não é das melhores. Basta lembrar, por exemplo, o falso argumento
usado para defenestrar do poder Saddam Hussein (que o Iraque teria armas de
destruição em massa e era, portanto, uma ameaça para o mundo).
Enquanto isso, as Nações Unidas
despacharam para a Síria uma missão com o objetivo de averiguar in loco a situação. O problema é que
essa missão não reuniu todas as condições necessárias para um veredito final sobre
a questão. É bem provável que o resultado oficial seja que, de fato, houve a
utilização de armas químicas na guerra, mas sem precisar quem as teria usado.
A resistência contra a anunciada
intervenção militar norte-americana é grande. Rússia e China, que possuem poder
de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas, já disseram que são contra
o ataque à Síria. Representantes dos dois países afirmaram que irão vetar
qualquer proposta de Resolução no Conselho de Segurança que autorize ataques à
Síria.
O uso de armas químicas é um crime, sem
dúvida. O uso desse tipo de armamento é condenado pela maioria dos países,
sendo que poucos não assinaram a Convenção de Paris de 1993 que proibiu a
preparação, fabricação, armazenamento e utilização dessas armas.
Foi a Primeira Guerra Mundial que chamou
mais a atenção do mundo para os efeitos perversos das armas químicas.
Utilizadas inicialmente pela Alemanha em 1915, logo outros beligerantes daquela
guerra começaram também a produzir e usar armas químicas. Mas a impressão
negativa foi tamanha, tanto entre os combatentes como entre a população civil,
que as grandes potências não a utilizaram mais umas contra as outras na Segunda
Guerra Mundial.
Uma intervenção militar norte-americana
limitada fará pouca diferença para os rumos da guerra na Síria. Como o governo
Obama está recalcitrante mesmo quanto a um ataque limitado, tudo indica que a
situação só tende a se agravar para a população síria, já por demais penalizada
pela brutalidade de uma guerra que já ultrapassou todos os limites.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Os Estados Unidos e o Golpe no Egito
Pio
Penna Filho*
A instabilidade política no Egito levou à
deposição do presidente Mursi, que sofreu um duro golpe militar. O curioso
desse episódio é que o golpe foi relativamente bem aceito pelos países
ocidentais, sobretudo pelos Estados Unidos, que afinal são os paladinos da
democracia. Em tese, portanto, os Estados Unidos teriam a obrigação de condenar
veementemente a atitude dos militares egípcios.
Todavia, não foi o que aconteceu. O
governo norte-americano evita, inclusive, usar o termo “golpe militar” para se
referir ao que ocorreu no Egito. É uma contradição e tanto e isso só faz minar
a crença no discurso em torno da democracia que vários países ocidentais
sustentam.
Alguns princípios democráticos não podem
ser relativizados, dependendo das conveniências de quem os defende. Ou se é
democrático, ou não se é democrático. Mohamed Mursi foi eleito democraticamente,
ou seja, a maior parte dos eleitores egípcios depositaram nele o seu voto de
esperança de acordo com a nova realidade do país após a turbulenta deposição do
ex-ditador Hosni Mubarak, ex-aliado dos Estados Unidos.
Mursi mal havia completado um ano de
governo quando os militares aproveitaram os protestos para o derrubarem do
poder. Se essa fosse, ou se tornar, uma prática geral, é de se imaginar quantos
governos não seriam ou serão depostos antes de completarem o seus mandatos. Insatisfações
populares com governantes sempre existem e fazem parte da boa prática
democrática, como estamos vendo ocorrer no Brasil atualmente.
A questão central é que a Constituição
egípcia não foi respeitada e por mais que se discorde da perspectiva política
do presidente Mursi e da Irmandade Muçulmana, à qual está vinculado, isso não é
motivo para sua deposição. A partir do momento em que os Estados Unidos como
que “validam” essa quebra do princípio democrático de acordo com a sua
conveniência, abre-se espaço para colocar em dúvida um dos principais pilares
do seu discurso em termos políticos e éticos.
Aliás, é sempre bom lembrar que a relação
entre os Estados Unidos e os militares egípcios é antiga e assentada em bases
muito pragmáticas. Há tempos os norte-americanos concedem uma vultosa
assistência militar e financeira para o Egito, que eventualmente é complementada
com recursos provenientes de países aliados do Oriente Próximo, como a Arábia
Saudita, o Kuait e o Catar. Em meio a toda essa crise, registre-se a entrega de
modernos aviões de caça F-16 ao regime, mesmo após o golpe.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Comportamento Inaceitável
Pio
Penna Filho*
A tentativa dos Estados Unidos de tentar capturar
a todo custo Edward Snowden, ex-funcionário da CIA, está chegando a um ponto
crítico. O último lance, ocorrido na terça-feira dessa semana, foi a negação de
sobrevoo do avião presidencial da Bolívia sobre os territórios da França,
Itália, Espanha e Portugal, o que forçou a comitiva do presidente Evo Morales a
fazer uma parada não programada na Áustria.
Tal comportamento é inaceitável. Os
europeus, que aliás também foram vigiados e monitorados pelos Estados Unidos,
fizeram um papel muito feio ao colocar sob suspeita o Chefe de um Estado
soberano em retorno de uma viagem oficial à Rússia.
Baseados em rumores, esses Estados
europeus decidiram forçar a descida do avião presidencial boliviano na
esperança de vasculhar a aeronave e reter Snowden para entregá-lo ao governo
norte-americano. Quebraram a cara! As autoridades austríacas informaram
oficialmente que o ex-agente não estava a bordo, aliás, conforme havia, também
oficialmente, sido anunciado previamente pelas autoridades bolivianas.
É curioso o comportamento de alguns
governos da Europa ocidental. Aparentemente não titubeariam em entregar Snowden
a Washington, mesmo sabendo que ele corre o sério risco de ser condenado à
morte por traição nos Estados Unidos. Ou seja, onde fica todo aquele bem
elaborado discurso sobre direitos humanos que os europeus tanto gostam de
apregoar por aí afora?
E mais, as ações de Snowden revelaram uma
das piores facetas da atuação internacional do Estados Unidos, que é a escalada
da vigilância e da espionagem em escala global. Todos que estamos conectados em
rede passamos à condição de suspeitos e de alvos em potencial da espionagem
norte-americana.
Onde está a ética e a moral nesse comportamento?
Qual o lugar do direito a privacidade individual quando a hiperpotência decide
que todos somos suspeitos? E onde isso irá parar? Para que tanta coleta de
dados e informações? Ninguém e nenhum governo fica por aí juntando informações
à toa, tão somente para serem descartadas na sequência.
Comunicado emitido pela presidência da
Unasul, atualmente tendo à frente o Peru, já expressou descontentamento com a
atitude ultrajante dos países europeus que proibiram o sobrevoo e pouso do
avião boliviano por acreditarem nos rumores propagados sabe-se lá por quem. É
inaceitável que um Chefe de Estado seja tratado dessa forma, tendo inclusive a
sua segurança e de toda a sua comitiva, sido colocada em risco por mero boato.
Pelo visto o tempo da arrogância e do
imperialismo não acabou. Ou a comunidade internacional reage e coloca sob
pressão iniciativas autoritárias como essa, ou brevemente retornaremos ao tempo
das trevas, quando prevalece apenas a vontade do mais forte.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Espionagem e Terror
Pio
Penna Filho*
Duas das democracias mais consolidadas do
mundo vem abusando insistentemente da espionagem indiscriminada em nome da
guerra ao terror. Aproveitando-se do fato de que vivemos numa sociedade da
informação e do alto grau de conectividade digital dos tempos atuais, Estados
Unidos e Inglaterra uniram esforços para construir uma vasta rede de espionagem
contra pessoas espalhadas pelo mundo.
Causa espanto o fato de que as denúncias
contra tal estado de coisas tenham sido, pelo menos até o presente momento,
muito tímidas. Poucos governos até agora protestaram contra essa prática que
nos lembra a ação de uma espécie de “big brother” e que até pouco tempo atrás
era imediatamente associado a estados totalitários.
Não fosse a ação da organização WikiLeaks
e de um ou outro funcionário do governo norte-americano suficientemente
consciente e corajoso para tornar público a invasão do privado pelas práticas
autoritárias dos democratas dos Estados Unidos e da Inglaterra, dificilmente
teríamos consciência da extensão da espionagem dos governos desses países.
Tradicionalmente, e com exceção de
governos ditatoriais, a espionagem costumava ter endereço certo, ou seja, era
dirigida contra determinados governos e organizações consideradas
potencialmente perigosas para os interesses deste ou daquele Estado. Não é mais
o que se vê. Agora, somos todos suspeitos.
Nossas mensagens de e-mail e conversas
telefônicas estão sendo submetidas ao crivo dos agentes/espiões dos Estados
Unidos e da Inglaterra, sem o menor pudor. Sociedades espalhadas pelo mundo
encontram-se sob vigilância indiscriminada e esses Estados coletam informações
permanentemente, sejam elas relacionadas exclusivamente à nossa vida privada,
sejam elas associadas a posições políticas.
Algo está muito errado e é preciso
reagir. É bom lembrar que o dedo acusatório dessas duas grandes potências até
bem pouco tempo atrás era dirigido contra regimes autoritários que agiam da
mesma forma.
Esse tipo de prática não costuma terminar
bem. A história nos mostra que governos que tentam
controlar as suas sociedades enveredam por caminhos sinuosos e, acima de tudo,
contrários à prática da boa democracia. De boas intenções, o inferno está
cheio, como diz um sábio ditado popular.
Ou reagimos ou sucumbiremos. Não se trata
de ficar apenas à espera da reação das sociedades dos dois países espiões. Eles
não estão vigiando apenas os seus cidadãos, o que já seria um absurdo. Os seus
tentáculos espalharam-se pelo mundo sem fronteiras da sociedade em rede. É
preciso dar um basta nisso enquanto ainda é tempo.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
domingo, 25 de agosto de 2013
Desafios Pan Amazônicos
Pio
Penna Filho*
Um dos grandes desafios que se coloca em termos
Pan Amazônicos, ou seja, envolvendo todos os países condôminos da grande
floresta, diz respeito em como compatibilizar a exploração dos recursos
encontrados na Amazônia com a preservação ambiental e com os direitos das
populações nativas e não nativas que há muito tempo habitam a região.
A expansão do agronegócio, a exploração de
gás e petróleo, as atividades de extração de madeira, ouro e outros minerais e
a construção de hidroelétricas realizadas até o presente momento já
demonstraram quão agressivas são essas atividades para um ecossistema
relativamente frágil.
Trata-se, na verdade, de um paradoxo,
porque não há como desenvolver e integrar as respectivas regiões amazônicas ao
restante dos países que a compõem sem implementar projetos de desenvolvimento
que dependem de fortes inversões dos Estados nacionais e que, inevitavelmente,
provocam efeitos colaterais sobre o meio ambiente.
Seria uma grande ilusão pensar
exclusivamente em termos de proteção ambiental sem considerar as necessidades
humanas e dos países que conformam a Pan Amazônia. No fundo, não há muita
diferença em termos de países, uma vez que as necessidades de praticamente
todos os Estados amazônicos convergem para esse paradoxo entre os ideais
“preservacionistas” e os “desenvolvimentistas”.
De toda forma, é possível, até certo
ponto, compatibilizar desenvolvimento com preservação, no sentido da
sustentabilidade do desenvolvimento. Nesse caso em específico, a presença do
Estado na Pan Amazônica se torna condição sine
qua non para que algum grau de sustentabilidade seja alcançado no processo
de desenvolvimento da região.
A título de exemplo, a questão da
biopirataria é apenas um dos problemas enfrentados pelos países da Pan Amazônia
frente aos grandes interesses internacionais em torno do recursos amazônicos. Estima-se
que as populações indígenas empreguem aproximadamente 1.300 diferentes plantas
para fins medicinais, que possuem princípios ativos característicos de
antibióticos, narcóticos, anticoncepcionais, antidiarreicos, anticoagulantes,
fungicidas, anestésicos, antiviróticos e relaxantes musculares.
É de se imaginar a variedade de patentes
no campo da saúde que podem sair de tão vasto acervo que se encontra espalhado
pela Pan Amazônia. Mas as riquezas da biodiversidade não se restringem ao campo
da saúde. Existe também um enorme potencial em termos alimentares e toda uma
tradição “imaterial” que acaba chamando a atenção de muitos outros países e
grupos para a Amazônia, mais um ponto a recomendar a real presença dos Estados
Pan Amazônicos nesse imenso e valioso território.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Cortes na Defesa
Pio
Penna Filho*
O Ministério da Defesa foi o segundo mais
atingido pelo novo corte de despesas anunciado no começo dessa semana pelo
governo federal. Pelo que foi dito, serão 919 milhões de reais a menos para um
orçamento que já é insuficiente para as demandas da área da defesa do Brasil.
Chega a ser escandalosa a forma como
sucessivos governos vem tratando o assunto da segurança nacional. Parece que
nenhum deles, pelo menos desde o início da década de 1990, tem consciência de
como a falta de investimentos nesse setor acarreta prejuízos de difícil e longa
recuperação. Está aí a novela da compra de aeronaves de combate para provar
como não há seriedade nesse assunto.
Enquanto milhões de reais somem pelo ralo
da corrupção e muito dinheiro é enterrado em projetos e obras que nunca são
concluídas (aparentemente de propósito) e valores absurdos são pagos em nome de
uma dívida que ninguém que está no poder quer auditar, as Forças Armadas ficam
à míngua, quase inoperantes e levando uma vida do tipo para “inglês ver”.
E é esse país que deseja, pelo menos no
discurso, uma cadeira como membro permanente do Conselho de Segurança das
Nações Unidas. Ora, tratar a Defesa e, consequentemente, as Forças Armadas
dessa maneira é dar um tiro no próprio pé. Enfim, não é uma atitude nada
inteligente.
O Brasil não é um país pobre. Existem
recursos, mas alguns gastos públicos beiram à irracionalidade e existe o
costumeiro desperdício em nome de inúmeros privilégios aos donos do poder. A
título de exemplo estão aí os escândalos da utilização de aeronaves da Força
Aérea Brasileira por políticos e o execrável aparelhamento do Estado por uma
coligação de partidos políticos que até outro dia se diziam de “esquerda”.
Os defensores do corte do orçamento da
Defesa dizem que não existem ameaças ao Brasil e que tanto faz termos ou não
Forças Armadas. Ora, esse tipo de pensamento é de uma miopia gritante, que
beira a cegueira. As Forças Armadas não são um luxo, mas uma necessidade para
um país da dimensão do Brasil. E as ameaças existem, sim. Vivemos num mundo em
que os conflitos persistem e os grandes impõe a sua vontade pela força. Sem uma
capacidade mínima de dissuasão, o país fica vulnerável e à mercê da vontade e
dos interesses externos.
O pior de tudo é que o comportamento dos
políticos e dos partidos brasileiros nos últimos anos tem demonstrado grande
desinteresse e enorme falta de sensibilidade para um tema tão importante. Entra
governo, sai governo e quase nada muda. Parece que esse quadro só mudará quando
a sociedade estiver mais consciente da importância de termos Forças Armadas
mais modernas, bem equipadas e treinadas. E para tudo isso é preciso dinheiro.
Em síntese, não existe uma cultura política
voltada para a Defesa no nosso país e isso, pelo visto, ainda se arrastará por
algum tempo. Por enquanto, temos que contar mesmo é com a sorte e com a
determinação dos militares em atuar com os escassos recursos à sua disposição.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Guiana Francesa
Pio Penna Filho*
A maior fronteira da França não é com nenhum país europeu, como seria “lógico” e natural supor, uma vez que se trata de um país localizado na Europa. Na verdade, sua maior fronteira é justamente com o Brasil, que se dá por meio da chamada Guiana Francesa, um resquício da era do colonialismo encravado na grande Amazônia.
A Guiana Francesa é considerada um Departamento Ultramarino da França, ou seja, parte do território francês. Sua capital é Caiena, que conta com aproximadamente 62 mil habitantes, de um total estimado de 221 mil habitantes para todo o território.
Para os franceses, o que mais interessa na Guiana é a base de Kourou e adjacências, o que contempla a capital Caiena. o território é um dos mais importantes centros de lançamentos de foguetes do mundo. A partir da base de Kourou, os franceses (e seus associados) já lançaram com sucesso mais de 300 satélites, a maior parte deles utilizando foguetes Ariane.
Mais recentemente, houve uma expansão da base de lançamentos, que passou também a utilizar foguetes russos Soyuz, que pela primeira vez na história foram lançados de fora de território ex-soviético ou russo.
A economia da Guiana é muito pouco desenvolvida, o que gera alta dependência de recursos provenientes da “metrópole”, uma vez que possui modesta produção e uma pauta de poucos produtos exportáveis, o que é, aliás, bem típico de um modelo “colonial”.
As relações entre Brasil e França, no que diz respeito à Guiana, apresentam um baixo perfil. Aliás, existem desconfianças mútuas, o que acaba prejudicando projetos de maior aproximação.
Do lado da França/Guiana, observa-se que as autoridades francesas não promoveram a abertura de vias que integrassem as áreas litorâneas, mais povoadas, com o interior, sobretudo com as zonas de fronteira mais ao sul, que praticamente não possuem cidades ou núcleos populacionais. Além disso, em decorrência do aumento da entrada de migrantes ilegais (muitos deles provenientes do Brasil), a França endureceu a fiscalização nas fronteiras e dificultou a concessão de vistos de entrada para a Guiana (já para a própria França, essa exigência não existe).
Do lado brasileiro, só muito recentemente o país se preocupou em buscar uma maior aproximação com o território francês do ultramar na América do Sul. Assim, foi apenas no governo Fernando Henrique Cardoso que Brasil e França começaram a discutir a construção de uma ponte ligando a cidade brasileira de Oiapoque à cidade guianense de Saint-Georges-de-l’Oyapock, projeto que somente avançou após entendimentos entre os governos Lula da Silva e Nicolas Sarkozy.
Em suma, há ainda um longo caminho a ser percorrido para que o Brasil possa se aproximar da Guiana e ampliar o grau de interação com a França por meio da condição de vizinhos territoriais, o que pode trazer benefícios para ambos.
A maior fronteira da França não é com nenhum país europeu, como seria “lógico” e natural supor, uma vez que se trata de um país localizado na Europa. Na verdade, sua maior fronteira é justamente com o Brasil, que se dá por meio da chamada Guiana Francesa, um resquício da era do colonialismo encravado na grande Amazônia.
A Guiana Francesa é considerada um Departamento Ultramarino da França, ou seja, parte do território francês. Sua capital é Caiena, que conta com aproximadamente 62 mil habitantes, de um total estimado de 221 mil habitantes para todo o território.
Para os franceses, o que mais interessa na Guiana é a base de Kourou e adjacências, o que contempla a capital Caiena. o território é um dos mais importantes centros de lançamentos de foguetes do mundo. A partir da base de Kourou, os franceses (e seus associados) já lançaram com sucesso mais de 300 satélites, a maior parte deles utilizando foguetes Ariane.
Mais recentemente, houve uma expansão da base de lançamentos, que passou também a utilizar foguetes russos Soyuz, que pela primeira vez na história foram lançados de fora de território ex-soviético ou russo.
A economia da Guiana é muito pouco desenvolvida, o que gera alta dependência de recursos provenientes da “metrópole”, uma vez que possui modesta produção e uma pauta de poucos produtos exportáveis, o que é, aliás, bem típico de um modelo “colonial”.
As relações entre Brasil e França, no que diz respeito à Guiana, apresentam um baixo perfil. Aliás, existem desconfianças mútuas, o que acaba prejudicando projetos de maior aproximação.
Do lado da França/Guiana, observa-se que as autoridades francesas não promoveram a abertura de vias que integrassem as áreas litorâneas, mais povoadas, com o interior, sobretudo com as zonas de fronteira mais ao sul, que praticamente não possuem cidades ou núcleos populacionais. Além disso, em decorrência do aumento da entrada de migrantes ilegais (muitos deles provenientes do Brasil), a França endureceu a fiscalização nas fronteiras e dificultou a concessão de vistos de entrada para a Guiana (já para a própria França, essa exigência não existe).
Do lado brasileiro, só muito recentemente o país se preocupou em buscar uma maior aproximação com o território francês do ultramar na América do Sul. Assim, foi apenas no governo Fernando Henrique Cardoso que Brasil e França começaram a discutir a construção de uma ponte ligando a cidade brasileira de Oiapoque à cidade guianense de Saint-Georges-de-l’Oyapock, projeto que somente avançou após entendimentos entre os governos Lula da Silva e Nicolas Sarkozy.
Em suma, há ainda um longo caminho a ser percorrido para que o Brasil possa se aproximar da Guiana e ampliar o grau de interação com a França por meio da condição de vizinhos territoriais, o que pode trazer benefícios para ambos.
Massacre no Cairo
Pio
Penna Filho*
O Oriente Médio continua sendo um barril
de pólvora altamente explosivo. Um dos expoentes da tão falada “primavera
árabe”, o Egito, um dos mais importantes países da região, vive no fio da
navalha. A situação política se deteriorou tanto que a violência irrompeu de
forma avassaladora durante essa semana.
Por enquanto, a contabilidade dos últimos
confrontos na cidade do Cairo registra mais de 500 mortos e milhares de feridos
após violenta repressão das forças militares contra os apoiadores do presidente
deposto, Mohammed Mursi. Os militares egípcios, pode-se dizer, perderam o
juízo. Ou, então, estão muito confiantes com o apoio externo que ainda, de
certa foram, conseguem manter.
É interessante notar que o golpe de
Estado recentemente dado pelos militares foi tolerado de forma não usual pela
comunidade internacional, sobretudo pelos Estados Unidos. Internamente, o novo
regime utilizou o argumento da ordem e do governo liberal para manter alguma
legitimidade. Alguns políticos de renome internacional, como o Prêmio Nobel da
Paz Mohamed El Baradei, chegaram inclusive a se aventurar no novo governo.
Baradei foi uma das primeiras baixas
pós-massacre. Infelizmente para sua reputação, saiu tarde demais. Poderia ter
mantido sua biografia sem o custo de tantas mortes nas costas, aliás, assim
como alguns governos estrangeiros que apostaram na “solução” militar para
conter a Irmandade Muçulmana.
Um dos pontos emblemáticos do que está
acontecendo no Egito é justamente o desrespeito à Constituição do país e à
própria e incipiente democracia egípcia. Mohammed Mursi foi democraticamente
eleito e os opositores ao seu governo e à Irmandade Muçulmana não tiveram a
paciência necessária para esperar o final do mandato e a decisão das urnas do
próximo pleito eleitoral. Os militares e seus associados aprisionaram
ilegalmente o presidente e o mantem encarcerado até hoje, sem acusações que
façam algum sentido.
É preciso considerar que os militantes e
simpatizantes do presidente Mursi conformam uma parcela importante da sociedade
egípcia. Seu protesto é legítimo, afinal de contas ilegítima foi a ação que
levou à deposição do presidente. Estavam exercendo um dos principais e mais
elementares pilares da cidadania, que é o direito à livre manifestação. Não
pode a comunidade internacional ficar apática diante de tal abuso e seguir a
retórica vazia dos norte-americanos, que sequer reconhecem como golpe de Estado
o que aconteceu no país e continuam enviando ajuda bilionária para os
militares.
Os cenários de curto e médio prazos para
o Egito não são muito alvissareiros. Por um lado, é muito difícil imaginar uma
saída que contemple o retorno ao poder do presidente Mohammed Mursi e a
normalização institucional do país; por outro, com a democracia fragilizada e
as características políticas regionais, associadas à ambiguidade norte-americana
em sua relação com os militares egípcios, é também difícil imaginar uma solução
razoável num curto período de tempo.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
terça-feira, 20 de agosto de 2013
terça-feira, 2 de julho de 2013
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Manifestações no Brasil: repercussões internacionais
Pio
Penna Filho*
As manifestações populares em curso no
Brasil alcançaram outras partes do mundo. O Brasil, que já estava em evidência
na mídia internacional por conta da realização da Copa das Confederações,
passou agora a constar quase que diariamente em diversos noticiários
internacionais que repercutem os grandes protestos que vem ocorrendo em
diversas partes do país.
Trata-se de algo novo. Geralmente, as
notícias sobre o Brasil focavam aspectos da extrema violência cotidiana no país
ou então informações relacionadas à economia nacional. Mas a extensão das
manifestações políticas em andamento chamaram a atenção da mídia, aliás, como
não poderia deixar de ser.
Muitos brasileiros que moram no exterior
saíram para as ruas e praças de cidades como Toronto, Madri, Paris e Londres
para manifestar sua solidariedade aos protestos que vem ocorrendo no Brasil. Desta
forma, ajudaram a ampliar a divulgação do descontentamento interno e passaram a
mostrar um Brasil ainda pouco conhecido no exterior.
Dois aspectos ganharam mais destaque. Em
primeiro lugar, o inusitado dessas manifestações. Ninguém poderia prever uma
explosão de descontentamento dessas proporções e com tal intensidade. É de se
notar, a propósito, que os governantes, políticos brasileiros e a própria
sociedade foram pegos de surpresa.
Em segundo lugar, a reação inicial de
vários governadores, sobretudo no Estado de São Paulo (mas não apenas) foi a de
lançar a força policial com repressão brutal aos manifestantes. Isso repercutiu
muito mal, tanto interna quanto externamente. Alguns analistas identificaram
nessa atitude o despreparo da polícia brasileira para o tratamento de
manifestações tipicamente democráticas e, no exterior, colocou mais um ponto de
interrogação no preparo do estado brasileiro para conduzir grandes eventos.
Outro ponto que chama a atenção é que há
uma tendência a fazer comparações entre as manifestações na Turquia e as que
estão ocorrendo no Brasil. São questões diferentes, mas que se aproximam devido
ao caráter popular e espontâneo de desafio aos governos constituídos e sua
ampla mobilização promovida por meio de redes sociais.
As manifestações populares são legítimas
e saudáveis para a democracia. A população tem o direito de manifestar o seu
descontentamento com os governantes, ainda mais num país como o Brasil, repleto
de desigualdades sociais e de atitudes insensíveis por parte de suas elites
políticas. E quanto mais isso repercutir no exterior, tanto melhor. Ajuda a
mostrar uma faceta nova de uma realidade antiga e pouco conhecida do nosso
país.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Fome na Coreia do Norte
Pio
Penna Filho*
Os norte-coreanos estão prestes a reviver
um dos seus piores pesadelos dos anos 1990, qual seja: uma nova crise
alimentar. O belicoso regime da dinastia dos Kim não consegue nem produzir e
nem tampouco comprar alimentos para abastecer a população do país, já por
demais sofrida com a quase absoluta falta de liberdade.
No Brasil pouca gente sabe, mas na
segunda metade da década de 1990 a escassez generalizada atingiu de forma
mortal aproximadamente um milhão de pessoas (as estatísticas variam muito, indo
de seiscentos mil a dois milhões e meio de mortos) Essa gente morreu lentamente,
em decorrência da fome, que chegou de forma gradativa.
Relatos dos sobreviventes que conseguiram
fugir do país em direção à China e à Coreia do Sul traçam um quadro dramático,
no qual as pessoas iam definhando e se transformando em cadáveres vivos, até
sucumbirem por inanição. Literalmente, não havia o que comer em várias partes
do país, principalmente nas cidades do interior.
A grande fome dos anos 1990 veio na
sequência da crise do socialismo, com a extinção da União Soviética e as
mudanças no regime chinês, que até então, junto com o desbaratamento dos demais
países do bloco socialista, deixou a Coreia do Norte órfã e praticamente
isolada do resto do mundo (assim como aconteceu, parcialmente, com Cuba).
O colapso econômico e a disposição
belicosa do governo levou a uma crise interna profunda. O desemprego explodiu e
a economia do país retrocedeu. Os parcos recursos do Estado foram empregados
para manter os privilégios da alta cúpula do Partido dos Trabalhadores, a
máquina militar em funcionamento e o estrito controle da sociedade.
O país entrou num ritmo totalmente
descompassado com a modernidade e caminhou em direção ao passado. A maior parte
das fábricas foram fechadas e a Coreia do Norte escureceu. Quando se observa
uma foto de satélite tirada a noite nota-se, assombrosamente,
o contraste da escuridão do país com o brilho de vizinhos imponentes, como a
Coreia do Sul, o Japão e a China.
As perspectivas atuais não são nada boas
para o povo norte-coreano. Aparentemente passou o temor de uma guerra, mas o
espectro da fome está presente, talvez tanto quanto na década de 1990.
Portanto, mais uma catástrofe humanitária à vista.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
segunda-feira, 3 de junho de 2013
sábado, 1 de junho de 2013
A Internacionalização do conflito na Síria
Pio
Penna Filho*
A internacionalização da guerra civil na
Síria está atingindo um novo patamar. Agora os russos prometem entregar um
sofisticado e poderoso sistema de mísseis para o governo do país e os europeus
acabaram de anunciar o fim do embargo de venda, ou melhor, de transferência de
armas para os rebeldes sírios. No fundo esses países estão alimentando a guerra
civil que está consumindo com o país.
A Síria está sendo destruída por dentro.
Impressiona ver as imagens de sua lenta destruição e atos de extrema barbaridade
pela internet. Basta digitar “guerra na Síria” no site Youtube e pronto, o
expectador terá à sua disposição cenas e mais cenas de horrores e destruição.
Cidades históricas que remontam à
antiguidade vem sofrendo pesados bombardeiros, tanto de disparos de armas
leves, de canhões, de blindados, de aviões e de helicópteros. Prédios, casas,
hospitais, mercados, nada está sendo poupado. Franco atiradores disparam contra
pessoas, bandos de rebeldes disparam seguidamente de alguma esquina e, por
outro lado, tropas do Exército revidam ou atacam com o mesmo furor. Milhares já
morreram e outros tantos agonizam lentamente, junto com o país.
Já não se trata apenas de um conflito
interno. A guerra na Síria está internacionalizada. Ao lado do governo
combatem, pelo que se tem divulgado, militantes do Hizbollah baseado no Líbano
e “instrutores iranianos”. Isso sem contar com o apoio diplomático e material
fornecido pelos russos. Já do lado dos insurgentes, combatem militantes
islâmicos de diversos países, quase todos ligados ao jihadismo. O chamado Exército Livre da Síria também recebe suporte
de governos de outros países que, naturalmente, não assumem sua
ajuda.
Não adianta querer tapar o sol com a
peneira. Por mais que alguns governos ocidentais insistam que não estão apoiando
os rebeldes, isso não parece bater com a realidade. Alguém está ajudando os
rebeldes com dinheiro, armas, munição e logística. Não fosse isso seria
impossível para o Exército Livre da Síria continuar em atividade após três
longos anos de conflito contra um Estado que possui, ou pelo menos possuía, um
Exército relativamente bem estruturado e equipado, sem contar com o seu poder e
supremacia aérea.
Fazer a guerra custa caro. Ninguém,
nenhum grupo ou país que não seja rico e tenha recursos à disposição, tem
condições de manter uma guerra durante muito tempo, ainda mais com as
características da guerra civil na Síria.
O que os estrangeiros estão fazendo é
alimentar a guerra e a destruição na Síria. É verdade que a legitimidade do
regime de Bashar al Assad está comprometida há muito tempo e que dificilmente
ele terá condições de se manter no poder, uma vez que a guerra está abrindo
novas feridas na sociedade síria. Será preciso, portanto, algum arranjo
político para que uma transição ocorra.
Mas os arautos da guerra estão falando
mais alto, na Síria e fora dela. O regime não aceita ceder, entregar o poder e
deixar a sociedade prosseguir. No plano externo, a política de sanções e
pressão foi substituída pela via da violência. O impasse político está promovendo
uma sangria talvez sem precedentes na história da Síria e os tambores da guerra
parecem não se cansar. Pobre povo sírio.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
terça-feira, 28 de maio de 2013
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
Pio
Penna Filho*
A Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica (OTCA) é um organismo regional voltado para a cooperação entre os
países que compõem a chamada Pan-Amazônia. Da OTCA fazem parte: Bolívia,
Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O único Estado
presente na Pan-Amazônia que não faz parte da OTCA é a França, haja vista que a
Guiana Francesa, como um dos seus departamentos ultramarinos, a coloca
diretamente na região.
A Organização, criada em 1995, é um
desdobramento do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), que foi assinado pelos
mesmos países em julho de 1978. O objetivo principal da OTCA é justamente o de
tornar operacional o Tratado de Cooperação Amazônia, zelando pela implementação
de suas decisões.
Quando foi criado o TCA, no final da
década de 1970, ainda não havia uma pressão internacional tão grande sobre os
países amazônicos em torno da questão ambiental. Mas o que se percebe é que os
países amazônicos, tendo à frente o Brasil, se anteciparam corretamente ao
institucionalizar o processo de cooperação na vasta área da Bacia Amazônica.
A concepção de uma Pan-Amazônia mais
integrada e conectada, que colocasse os países nela representados atuando
conjuntamente, é anterior à assinatura do TCA. Todavia, esse assunto só
esporadicamente aparecia nos discursos oficiais e muito pouco tinha sido
realizado até então.
Com a ascensão dos militares ao poder no
Brasil em 1964, a Amazônia passou a ser tratada com mais destaque. Com efeito,
havia, como existe até hoje, uma preocupação específica dos militares com a
soberania da região. Aliás, sobretudo no século XX, foram os militares, mais do
que os diplomatas, os que pensaram e colocaram a Amazônia na agenda política
brasileira, tanto interna quanto externamente.
Na perspectiva política dos militares, o
dilema amazônico, na ótica tradicional da segurança, é muito mais internacional
do que regional. Ou seja, não existe receio contra qualquer ação dos vizinhos,
mas sim com a cobiça internacional em torno das riquezas amazônicas.
Ao pensar a Amazônia numa dimensão mais
ampla, não é possível segmentar a Pan-Amazônia de forma a que cada país cuide
apenas do seu território. A área, na verdade, conforma um sistema complexo e
interdependente, daí o pensamento brasileiro ter evoluído para uma apreciação
mais global dos problemas e desafios amazônicos.
E, para tanto, se fazia necessário um
arranjo politico-diplomático que envolvesse os países da região, o que está na
origem da assinatura do Tratado de Cooperação Amazônica.
Do Tratado de Cooperação Amazônica até
chegarmos à criação da OTCA, percorreu-se um longo caminho. À medida que a
questão ambiental se adensava e se tornava, mesmo que gradativamente, um tema
de grande destaque na agenda política internacional, o Brasil, que era e é o
maior interessado nas questões amazônicas, propugnou pela institucionalização
internacional do Tratado, convertendo-o num instrumento jurídico internacional
com a criação da OTCA.
Assim, a ideia básica da OTCA é
estabelecer, em bases permanentes, a cooperação entre os Estados amazônicos com
vistas ao desenvolvimento sustentável da região, ao mesmo tempo em que persegue
objetivos políticos que visam fortalecer os laços que envolvem os países que
compõem a Pan-Amazônia e garantir-lhes a soberania sobre os seus respectivos
territórios nacionais.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
Diplomacia (II)
Pio
Penna Filho*
Como analisado no artigo da semana
anterior, a diplomacia é uma prática que remonta à antiguidade, derivada
principalmente da necessidade política e econômica dos Estados em manterem contatos com outros
Estados. Tal prática, ou arte da negociação, evoluiu muito ao longo da
história.
Durante muito tempo, no relacionamento
entre os Estados, prevaleceram as chamadas relações bilaterais, ou seja, de
Estado a Estado. Embora esta seja ainda uma característica forte do sistema
internacional, assistimos a partir do século XX o aumento considerável da
diplomacia multilateral, favorecida enormemente pelo surgimento de organizações
multilaterais permanentes, seja no plano global, seja no regional.
No plano global duas instituições
multilaterais ganharam destaque no século passado, ambas surgidas em épocas de
guerras globais. A primeira foi a Liga das Nações, criada em 1919, na sequência
da Primeira Guerra Mundial, ou Grande Guerra, como foi denominada pelos seus
contemporâneos. A segunda instituição é a Organização das Nações Unidas (ONU),
criada em 1945, no contexto da Segunda Guerra Mundial. A ONU surge como
sucessora da Liga e tem basicamente os mesmos objetivos, ou seja, a promoção da
paz e da segurança internacional.
No plano regional verificou-se algo
semelhante ao global, com o surgimento de diversas organizações internacionais
de caráter mais local, que forçaram os Estados a aumentarem o grau de interação
política e estimularam a diplomacia multilateral. Veja-se os casos, por
exemplo, da Organização dos Estados Americanos (OEA), União de Nações
Sul-Americanas (UNASUL), União Europeia (UE), União Africana (UA), dentre
vários outros.
Outro aspecto importante e muito marcante
ocorrido no século XX foi o surgimento de vários novos países, sobretudo na
época da descolonização da Ásia e da África, logo após a Segunda Guerra
Mundial. Assim, o sistema internacional se tornou muito mais complexo e
diverso, reforçando a necessidade de uma diplomacia bem mais ativa.
Em tempos mais recentes a prática
diplomática foi também influenciada e afetada pela disponibilidade de novos
recursos tecnológicos, principalmente aqueles derivados dos avanços nos
transportes, nas comunicações e na eletrônica. Contrapondo a nova realidade com
os períodos históricos anteriores, vivemos um período de uma nova diplomacia,
muito mais intensa e ágil.
Um exemplo concreto é a participação cada
vez mais ativa de dirigentes máximos de um Estado (presidentes, por exemplo) na
condução direta da diplomacia, o que levou ao que chamamos hoje de “diplomacia
presidencial”. No caso do Brasil, os presidentes Fernando Henrique Cardoso e
Lula da Silva foram os mais ativos em termos de atuação diplomática diretamente
conduzidas por chefes do Estado. Mas há outros exemplos, como os dos
ex-presidentes norte-americanos Jimmy Carter e Bill Clinton.
À guisa de conclusão podemos dizer que
nenhum país pode abrir mão da diplomacia. São os diplomatas os responsáveis por
representar os seus países no exterior e promover a aproximação entre governos
e sociedades. Quanto mais ativa uma diplomacia, tanto
melhor para o país e para a harmonia entre os Estados.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
quinta-feira, 16 de maio de 2013
Diplomacia (I)
Pio
Penna Filho*
Diplomacia é a gestão das relações
internacionais por negociações, o método pelo qual essas relações são ajustadas
e conduzidas por representantes do Estado, ou seja, embaixadores e enviados que
representam um país no exterior. É, ao pé da letra, a função ou a arte do
diplomata.
Para o Brasil, a diplomacia é um precioso
instrumento do Estado que ajuda a projetar sua imagem no exterior e tem
auxiliado, e muito, em seu processo de desenvolvimento. Existem inúmeros exemplos
da diplomacia brasileira atuando como vetor do nosso desenvolvimento.
A prática diplomática é muito antiga.
Desde a formação dos primeiros sistemas de Estados na antiguidade, temos
exemplos da diplomacia em atividade. Aliás, já foi dito que os primeiros
diplomatas foram os anjos, ou seja, os enviados divinos para ligarem os humanos
a Deus.
À parte essa retórica mais
espiritualista, os Impérios, Reinos e Estados antigos se relacionavam por meio
dos primeiros diplomatas, que geralmente eram emissários encarregados de
transmitirem informações entre os soberanos.
A atividade diplomática foi se
aperfeiçoando gradativamente. Quanto mais bem estabelecido, seja um Reino ou
Império, maior a necessidade da diplomacia para os contatos políticos e as negociações
comerciais entre as unidades políticas estabelecidas.
Em alguns lugares a diplomacia foi mais
intensa, como na relação entre as cidades-estados gregas. Em outros, apesar de
existir, a preferência recaía no oposto da diplomacia, ou seja, no emprego da
violência e na intimidação como forma de relacionamento e imposição de
determinado ponto de vista. Esse foi o caso, em muitas circunstâncias e em
vários momentos históricos, da atuação dos romanos.
O grande avanço na diplomacia ocorreu
durante o renascimento italiano, quando as principais cidades-estados da
península italiana (Gênova, Florença, Milão e Veneza) passaram a manter
embaixadores permanentes umas junto às outras. Daí em diante essa prática foi
se disseminando paulatinamente para outros Estados europeus.
Em 1648, com o Congresso de Vestfália,
temos um novo avanço da diplomacia. O Congresso se reuniu na sequência da
desgastante “Guerra dos Trinta Anos”, que colocou em lados opostos vários
Estados europeus. Pode-se dizer que as negociações ocorridas durante o
Congresso levaram, mais tarde, ao exercício da diplomacia multilateral, ou
seja, a um tipo de diplomacia que envolve simultaneamente vários Estados.
No século XIX temos uma nova mudança
marcante. De novo, foi uma guerra que fomentou a renovação das práticas
diplomáticas. Nesse caso, a expansão napoleônica promoveu uma desordem tal na
velha Europa que um novo Congresso foi convocado. Trata-se do Congresso de
Viena, de 1815, que consolidou o chamado sistema internacional europeu, que com
o tempo disseminou novas práticas diplomáticas para
outras partes do mundo.
Já no século XX duas convenções marcaram
a diplomacia mundial. Em 1961, a Convenção de Viena sobre Relações Diplomática
e a Convenção de Viena sobre Relações Consulares resultaram na consolidação da
diplomacia em escala global, determinando protocolos e práticas reconhecidas
por quase todos os Estados.
* Professor do Instituto de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília (UnB) e Pesquisador do CNPq. E-mail: piopenna@gmail.com
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